Post de Convidado - Este texto é da autoria de Idalina
Bordalo (Enfermeira Especialista de Saúde Infantil e Pediatria e Gestora de Risco no Centro Hospitalar Lisboa Central), a quem agradecemos
a colaboração.
A
amamentação é a forma natural de dar
ao lactente os nutrientes que necessita para um crescimento e desenvolvimento
saudáveis, razão pela qual a OMS recomenda a amamentação exclusiva até aos seis
meses e complementada com outros alimentos pelo menos até aos dois anos.
Mas
mesmo este acto tão natural não está isento de riscos para a criança. Compete aos profissionais envolvidos a adopção de medidas rigorosas de Segurança do
Doente.
Para
além da nutrição, a amamentação promove o bem-estar da criança e da mãe,
reforça o sistema imunitário (protegendo a criança de doenças infeciosas) e
otimiza o desenvolvimento físico, emocional e intelectual. Um estudo
retrospetivo publicado no Lancet em
2015 (1), demonstrou que aos 30 anos de idade, os participantes que tinham sido amamentados por um ano ou mais tinham
melhores resultados em testes de inteligência, escolaridade mais alta e melhor
remuneração, que os que foram amamentados por períodos iguais ou inferiores a
um mês. Apesar de toda a evidência, apenas
38% das crianças são amamentadas por um mínimo de 6meses (2).
Na
base das baixas taxas de amamentação está o fraco suporte que é dado às mães trabalhadoras (horário protegido,
flexibilidade de horário, trabalho à distância, local para expressão e
conservação de leite materno durante o horário de trabalho, creche, etc.), mas
também a pouca formação dos
profissionais de saúde nesta matéria.
O
internamento (da mãe ou da criança) continua a ser uma das causas para a
interrupção/não estabelecimento da amamentação. Amamentar bebés e crianças internados promove o seu bem-estar (é
uma estratégia não farmacológica de alívio da dor com vasta evidência científica),
mas também reduz o risco e aumenta a
segurança do doente.
Muitas vezes as fórmulas para lactentes são
introduzidas por “excesso de cautela” (desconhecimento) quanto às razões que
devem impedir a amamentação. Noutras situações chega a ser a mãe a administrar
por biberão o seu próprio leite (materno), para que o balanço hídrico seja mais
rigoroso, ou porque existe a crença (sem qualquer evidência) de que o bebé se
cansa menos.
Qualquer
uma das situações acima descritas expõe
a criança ao risco:
Administração da fórmula
errada (e potencial
reação adversa), administração da dose
errada ou pela via errada. Este último tipo de incidente é bastante
conhecido pela ameaça que representa para a vida da criança. Alguns incidentes
(mortais) levaram inclusivamente ao desenvolvimento de dispositivos para
alimentação entérica não compatíveis com sistemas luer (os utilizados nos sistemas parentéricos).
No caso dos leites maternos por biberão existe
o risco de erro de identificação, que expõe a criança a um fluido orgânico de outra
mulher que não a sua mãe. Este incidente está descrito a nível nacional e
internacional, existindo inclusivamente uma recomendação do CDC, sobre qual o
procedimento a adotar, caso ocorra (3).
Os fatores de risco para
este incidente são diversos:
- Erro de identificação do leite - colocar a etiqueta errada ou preencher erradamente a etiqueta, utilização do número do berço como forma de identificar o doente (podendo haver troca durante o internamento), utilização de um único identificador;
- Erro de identificação do doente – não verificação/confirmação ativa da identificação do doente antes de administrar/fornecer o leite, doentes com identificação parecida, criança sem pulseira de identificação (situação comum em grandes pré-termos);
- Armazenamento – inexistência de um frigorífico específico para leites maternos, não individualização dos leites maternos em compartimento/contentor único para cada criança, corretamente identificado (com pelo menos dois identificadores);
- Dispensa/transporte – Falha na confirmação da identificação da criança quando o leite é retirado do frigorífico, entrega no local errado;
- Fatores Humanos – interrupções, treino insuficiente em procedimentos de identificação, carga de trabalho, iluminação/legibilidade, lapso, visão em túnel, enviesamento de confirmação.
As principais
estratégias para a redução do risco são:
- Manter os bebés junto das mães, sempre que possível;
- (Re)Iniciar a amamentação o mais rapidamente possível;
- Desenvolver, divulgar e aplicar procedimentos de identificação de doentes fiáveis, com pelo menos dois identificadores inequívocos;
- Utilizar pelo menos dois meios de identificação;
- Etiquetar o leite materno na presença da mãe, ou pela própria, após verificação ativa da etiqueta (e ter pelo menos dois identificadores inequívocos);
- Envolver os pais/acompanhantes na segurança da criança, realizando a identificação ativa antes da administração do leite.
Quando
ocorre um incidente deste tipo há ações que devem ser tomadas junto de ambas as
famílias. Os pais da criança que tomou o leite errado, devem ser informados do
erro. Caso se considere necessária a realização de teste de HIV ou outros
(sendo o risco de transmissão muitíssimo baixo), a mãe dadora terá que dar o
seu consentimento para a realização do teste e divulgação do resultado aos pais
da criança que tomou o leite.
Caso
o leite não tenha sido colhido no hospital (por exemplo em casa da mãe “dadora”),
é adequado informar os pais da criança que tomou o leite de quais as condições
de colheita, transporte e armazenamento até ao hospital – o que mais uma vez
implica obter informação e consentimento da mãe “dadora”. Pode acontecer que
não exista outra colheita para administrar ao bebé da mãe “dadora”, nem
possibilidade de a obter em tempo útil (se por exemplo esta não estiver no
hospital), o que pode implicar introduzir uma fórmula para lactente, que terá
igualmente que ser comunicada aos pais dessa criança.
Mesmo
que não haja qualquer erro, a limitação do
acesso a um procedimento com evidente benefício para o doente
(promover/otimizar aleitamento materno) é
por si só, um incidente do tipo processo/procedimento clínico, não
realizado quando indicado. Se analisássemos este incidente, facilmente
chegaríamos à causa raiz: conhecimento/formação insuficiente.
É responsabilidade dos
profissionais de saúde que atuam junto de crianças e mulheres em idade fértil
adquirir as competências necessárias para a promoção do aleitamento materno, de
modo que a meta que a OMS/UNICEF traçaram para 2025 – amamentação exclusiva nos
primeiros 6 meses de vida para pelo menos 50% das crianças, possa ser uma
realidade.
Idalina Bordalo
Enfermeira Especialista de Saúde Infantil e Pediatria
Gestora de Risco
Centro Hospitalar Lisboa Central
Enfermeira Especialista de Saúde Infantil e Pediatria
Gestora de Risco
Centro Hospitalar Lisboa Central
Bibliografia referida
(1)
Victora, C. G. et al. “Association between breastfeeding and intelligence,
educational attainment, and income at 30 years of age: a prospective birth
cohort study from Brazil” Lancet, vol. 3, no. 4, April 2015, pp. e199 - e205.
(2)Anthony
Lake (UNICEF Executive Director), Margaret Chan (WHO Director General): 2015 World Breastfeeding Week Message
Breastfeeding and work - Let’s make it work!
(3)
What to Do if an Infant or Child Is Mistakenly Fed Another Woman's Expressed
Breast Milk, in: http://www.cdc.gov/breastfeeding/recommendations/other_mothers_milk.htm
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