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domingo, 29 de junho de 2025

Aumentar o envolvimento na governança profissional, desde o nível da unidade até o nível do sistema

Olá a todos os profissionais de saúde e interessados na excelência dos cuidados de enfermagem!

Neste artigo, vamos mergulhar numa fascinante jornada de transformação que demonstra como a inovação na gestão pode elevar a prática da enfermagem a novos patamares. O nosso foco será a transição do "shared governance" para o "professional governance" num sistema de saúde com quatro hospitais.

O Desafio de Manter o Envolvimento na Enfermagem

Os benefícios da tomada de decisões partilhada, ou "shared decision-making", na enfermagem são amplamente documentados, levando ao desenvolvimento profissional dos enfermeiros e à melhoria dos resultados para o doente. Este sistema de saúde já testemunhava estes benefícios desde 2007, com o "shared governance" profundamente enraizado na sua cultura. Contudo, no final de 2021, o envolvimento na estrutura de "shared decision-making" da organização diminuiu constantemente, em grande parte devido ao aumento da rotatividade de enfermeiros, um problema exacerbado pela pandemia e pela escassez de profissionais.

Para enfrentar este desafio, foi estabelecido em 2021 um departamento de Nursing Excellence ao nível do sistema, com o objetivo claro de padronizar e fortalecer a "shared decision-making" em todos os hospitais, visando aumentar o envolvimento e a eficiência. Anteriormente, cada hospital operava com as suas próprias estruturas e processos de "shared governance".

A Estratégia: Lean Six Sigma e Análise de Pontos Cruciais

Os primeiros passos da equipa de Nursing Excellence incluíram uma avaliação aprofundada da estrutura atual de "shared governance" e uma síntese da literatura existente. Adotaram o Lean Six Sigma como framework de gestão de projetos para padronizar os processos de tomada de decisão da organização, o que prometia aumentar a eficiência e os resultados. Em janeiro de 2022, uma análise SWOT (Strengths, Weaknesses, Opportunities, Threats) foi realizada.

Entre as fraquezas internas identificadas, destacam-se a diminuição de conselhos unitários ativos ("unit-based councils"), a falta de envolvimento dos enfermeiros clínicos, a confusão sobre os papéis e propósitos, a inconsistência do apoio dos enfermeiros gestores e a falta de participação. O impacto da COVID-19 e da escassez de enfermeiros foram notados como ameaças externas.

A Mudança de Paradigma: Do "Shared" ao "Professional Governance"

A síntese da literatura sugeriu que o "professional governance" poderia aprimorar o profissionalismo dos enfermeiros através de um ambiente de trabalho mais envolvente. A equipa percebeu que a simples participação em conselhos não garantia apropriação das decisões. A mudança para o "professional governance" visava concentrar-se na responsabilidade dos enfermeiros de se autogovernarem na prática da enfermagem e no compromisso de melhorar continuamente os cuidados. Esta perspetiva foi o pilar para a transição do modelo.

O sistema definiu o "professional governance" como: "O propósito do Roper St. Francis Healthcare Nursing Professional Governance é envolver enfermeiros clínicos, líderes e colegas interprofissionais na tomada de decisões colaborativa e em iniciativas orientadas para a ação, relacionadas com as obrigações profissionais de competência, conhecimento, qualidade e prática e para o aprimoramento do ambiente de trabalho através do avanço e retenção profissional.". Isto significa um foco acrescido na accountability e na obrigação profissional individual.

Intervenções Chave e a Nova Estrutura de Governança

O plano do projeto priorizou o desenvolvimento e aprimoramento dos "unit-based councils" em 2022, identificados como a maior lacuna. O primeiro passo foi educar os enfermeiros gestores, diretores e CNOs sobre a importância e o papel essencial dos conselhos unitários. Para apoiar estas unidades, foi criado um Unit Council Toolkit, que incluía guias para atividades, papéis e responsabilidades, gestão de reuniões e até dicas para reuniões virtuais. Os gestores de programa de Nursing Excellence também ofereceram apoio individualizado e sessões "drop-in".

Em 7 de dezembro de 2022, o departamento de Nursing Excellence introduziu formalmente a transição para o "professional governance" e revelou o novo modelo e estrutura num workshop de liderança. Em 2023, os conselhos hospitalares e de sistema foram padronizados em todos os quatro hospitais.

A nova estrutura de "professional governance" incluiu conselhos a nível de unidade, hospital e sistema. Os "unit councils" foram movidos para o epicentro do modelo, com o propósito de facilitar a comunicação bidirecional e abordar questões específicas da unidade.

Entre os conselhos ao nível hospitalar, destacam-se: o Quality and Practice Council (aprova mudanças na prática, melhoria da qualidade), o Professional Engagement and Advancement Council (fomenta o crescimento e retenção profissional), o Nursing Excellence Champions Council (promove as normas Magnet/Pathway to Excellence), o Night Shift Council (dá voz aos enfermeiros do turno da noite), e o Leadership Advisory Council (LAC, conselho coordenador do hospital).

Ao nível do sistema, foram estabelecidos: o Quality and Practice Council e o Professional Engagement and Advancement Council (ambos incorporando os conselhos hospitalares correspondentes). Uma grande mudança para aumentar a eficiência foi a decisão de que estes conselhos se reuniriam primeiro como conselho hospitalar e, em seguida, juntar-se-iam virtualmente aos outros conselhos hospitalares para a tomada de decisões ao nível do sistema, evitando a necessidade de ir a quatro conselhos diferentes para aprovações. Outros conselhos de sistema incluem o Clinical and Research Excellence Council (CARE, promove excelência clínica, pesquisa), o Clinical Informatics Planning and Advisory Council (CIPAC, rever sistemas de informação clínica), e o CNO Council (liderança de enfermagem de alto nível).

Resultados Impressionantes e Impacto Tangível!

Para medir o impacto, utilizou-se a Verran Professional Governance Scale (VPGS), uma pesquisa de 22 itens. Os resultados do pós-intervenção (outubro de 2023, 10 meses após a reestruturação) foram notáveis:

  • Aumento Drástico da Participação: A taxa de participação na pesquisa pós-intervenção aumentou de 17% para 118% em todo o sistema, demonstrando um envolvimento significativamente melhorado dos enfermeiros que prestam cuidados diretos.
  • Melhoria das Perceções: As médias gerais e por subescala do VPGS melhoraram após a intervenção.
  • Resultados Operacionais Concretos:
    • A rotatividade voluntária de RNs (Registered Nurses) diminuiu de 20,29% (final de 2022) para 17,62% (final de 2023).
    • O envolvimento dos RNs na decisão sobre o seu trabalho melhorou de 3,82 em 2022 para 3,93 em 2023.
    • A satisfação geral dos doentes ("likelihood to recommend") melhorou de 76,78% em 2022 para 78,47% em 2023.
    • A taxa de quedas totais por 1.000 dias-doente diminuiu de 1,96 em 2022 para 1,74 em 2023.
    • Houve uma redução em infeções associadas aos cuidados de saúde.
    • As iniciativas lideradas pela enfermagem através desta estrutura geraram uma poupança de custos potencial de aproximadamente $1.5 milhões em 2023.

Os conselhos também implementaram iniciativas de sucesso, como a revisão e aprovação de 19 mudanças na prática de enfermagem, a criação de uma força-tarefa para o Bedside Shift Report (BSR) que melhorou a experiência do doente, e uma iniciativa de avaliação da pele "four eyes" que reduziu lesões por pressão. O Night Shift Council implementou uma chamada de segurança noturna que diminuiu incidentes de violência e uma iniciativa "quiet at night" que melhorou a experiência do doente.

O Papel Indispensável da Liderança de Enfermagem

A liderança de enfermagem é fundamental para o sucesso da "shared decision-making". O seu papel em fornecer recursos, tempo e apoio é crucial. É vital que os enfermeiros gestores acreditem firmemente na importância do "professional governance" e garantam que o envolvimento seja visto como uma expectativa para os enfermeiros, e não apenas uma obrigação. O fato de o CNO (Chief Nursing Officer) facilitar o Leadership Advisory Council é um sinal claro de que a organização valoriza o "professional governance".

Um Sucesso Contínuo e em Evolução!

Este projeto de melhoria de desempenho demonstrou claramente que organizações com uma estrutura de governação madura podem fazer a transição bem-sucedida do "shared" para o "professional governance", resultando num maior envolvimento dos enfermeiros clínicos em todos os níveis (unidade, hospital e sistema) e numa tomada de decisão mais eficiente dos conselhos. O modelo e os processos de "professional governance" são continuamente revistos, com a adição de novos conselhos, como o Nurse Manager Council e o Clinical Specialist Council em 2024, atendendo a pedidos dos próprios enfermeiros.

Espero que este resumo tenha sido útil para entender a importância e o impacto do "professional governance" na enfermagem! É uma prova de que a colaboração e a responsabilidade individual podem realmente transformar os cuidados de saúde.


UM DIA SERÁS TU O DOENTE!
#umdiaserastuodoente
Fernando Barroso
https://fernandobarroso.gumroad.com/


Referência Bibliográfica:

Lott, T. F., & Partridge, A. (2025). Increasing engagement in professional governance from the unit to system level. Publicado por Wolters Kluwer Health, Inc. DOI: 10.1097/nmg.0000000000000245.

quarta-feira, 1 de novembro de 2023

23% dos estudantes de enfermagem e de medicina pensam em abandonar a profissão

 


De acordo com um novo relatório da Elsevier Health, mais de 23% dos estudantes de medicina e enfermagem (incluídos no estudo) estão a pensar em desistir dos seus cursos.

 Além disso, 16% dos estudantes estão a reconsiderar totalmente a sua escolha de carreira na linha da frente da profissão de cuidados de saúde.

 No total, 2.212 estudantes de medicina e enfermagem de 91 países diferentes participaram da pesquisa, cujos resultados foram publicados em 30 de outubro pela Elsevier. É o segundo relatório deste género publicado pela Elsevier Health.

 Dos estudantes inquiridos, 60% estão preocupados com a sua saúde mental no que diz respeito à escola.

 "As pressões que os atuais clínicos enfrentam não passaram despercebidas aos estudantes de hoje, que expressam as suas preocupações sobre as expectativas que lhes são dirigidas quando entram na prática clínica", escreveu Jan Herzhoff, PhD, presidente da Elsevier Health no relatório.

 Para além destes desafios, os estudantes de medicina e enfermagem estão a começar a utilizar ferramentas de inteligência artificial (IA) como parte da rotina dos seus estudos e prática.

 De acordo com o inquérito, 70% dos estudantes acreditam que a utilização de IA generativa será benéfica para os diagnósticos, tratamentos e resultados dos doentes no futuro. E, neste momento, 51% estão a utilizá-la para apoiar a aprendizagem na escola.

 Para acompanhar os desenvolvimentos tecnológicos, o relatório sublinha a importância de os educadores e os clínicos estarem preparados para responder aos novos indivíduos no terreno onde eles se encontram.

 "Dada a rapidez desses desenvolvimentos, é importante que os currículos sejam ajustados para garantir que os clínicos de amanhã estejam equipados para trabalhar em parceria com os doentes num mundo digital", afirma o relatório.

 Podes aceder ao relatório na integra AQUI.


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Fernando Barroso

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domingo, 11 de dezembro de 2022

Nós, o SNS, a Governança Clínica e o percurso na melhoria da qualidade e segurança dos cuidados em saúde | #SD452

 

    Enquanto enfermeira coordenadora de um centro de responsabilidade integrada deparo-me diariamente com os desafios de gerir um serviço no nosso velhinho SNS (Serviço Nacional de saúde). 

    O meu contexto profissional, à semelhanças das instituições que prestam cuidados de saúde, reflete uma realidade de prestação de cuidados  cada vez mais complexas com especificidades muito próprias. Vivemos numa era de constantes mudanças em todas as vertentes, tendo que, constantemente, nos adaptar às mesmas. O SNS não é exceção, necessitando também de se adaptar e adequar às mesmas. Existe uma grande alteração nas características populacionais, nomeadamente multiculturalidade, envelhecimento, nos padrões de doença. Existem também mudanças nas oportunidades para utilizar novas intervenções médicas associadas a novos conhecimentos e tecnologias. Perante esta realidade, torna-se premente que as instituições que integram o SNS se transformem e adaptem não só fisicamente, como também na atitude com relação ao doente.

    O alargamento dos cuidados de saúde a um número cada vez maior de pessoas conduziu a uma maior exigência por parte dos cidadãos, exigindo uma contínua melhoria da qualidade dos cuidados, no que se refere às mais avançadas tecnologias, a uma cultura de eficiência no uso dos recursos que são escassos, e a uma prestação de cuidados de saúde cada vez mais segura, tolerando cada vez menos os erros dos profissionais e/ou do sistema. Neste universo torna-se essencial qua as práticas de governança clínica, sejam orientadas pelo princípio da Efetividade (ganhos em saúde), Eficiência (conseguir esses “ganhos” com o menor custo possível, sem desperdícios ou gastos desnecessários), Equidade (reduzir desigualdades inaceitáveis em saúde) e Qualidade (melhoria contínua dos cuidados). 

    Durante todo este processo assiste-se a práticas que promovam a motivação e satisfação dos profissionais envolvidos, ao mesmo tempo que se desenvolvem mecanismos de capacitação e autonomia dos utentes e satisfação dos utentes envolvidos. 

    Compreende-se e de acordo com o preconizado pela Organização Mundial da Saúde, a boa governança para a saúde é a capacidade de ativar a participação de todos, os que estão interessados na formulação e no desenvolvimento de políticas, programas e práticas que conduzam a sistemas de saúde mais equitativos e sustentáveis. Desta forma, a boa governança em saúde significa ter em consideração um conjunto de boas práticas de qualidade na tomada de decisão, na implementação de soluções, na sua avaliação e monitorização e, consequentemente, na correção de eventuais desvios. Neste sentido, refere-se à capacidade de implementar mudanças efetivas que permitam melhorar o sistema de saúde, dando resposta às reais necessidades dos seus utilizadores e garantindo princípios de equidade e de igualdade. As principais mudanças que estão a ocorrer na governança da saúde no século XXI são fundamentais para a obtenção de ganhos de saúde nas próximas décadas.

    Assim considero que a governança clínica representa uma estratégia que permite assegurar a melhoria contínua dos cuidados de saúde prestados salvaguardando elevados níveis de qualidade e segurança nos mesmos. A governança clínica assume-se como uma estratégia de gestão transformadora num contexto de cuidados com necessidades de cuidados cada vez mais emergentes, diferenciadas e por si só mais exigentes. É ainda importante referir que a governança clínica potencia de forma sistemática e contínua o desenvolvimento de um ambiente que estimule a excelência dos cuidados clínicos, a afirmação e concretização plena do conhecimento gerado e acumulado no seio dos profissionais de saúde e das suas organizações através de um estilo de liderança efetiva, capaz de envolver toda a equipa multidisciplinar prestadora de cuidados assim como deve também envolver o alvos das práticas de cuidados (doente/família).

    A OMS define a qualidade dos cuidados de saúde como “a medida em que os cuidados de saúde prestados aos indivíduos e populações doentes melhoram os resultados em saúde desejados. De modo que esse objetivo seja atingível, os cuidados de saúde devem ser: seguros, eficazes, oportunos, eficientes, equitativos e centrados nas pessoas”. Simplificadamente, esta definição pode ser entendida como “a prestação dos cuidados de saúde com qualidade envolvem os cuidados certos, à hora certa, em resposta às necessidades e preferências dos doentes, enquanto é minimizada a probabilidade de ocorrência de danos e desperdício de recursos”. Desta forma, recomendam que adotar uma perspetiva de governança clínica, sistémica e orientada para os sistemas de saúde para a melhoria da qualidade é fundamental, não só para corresponder às expetativas dos doentes, mas também às dos profissionais de saúde envolvidos neste processo.    

    Apesar da amplitude do conceito e das diferentes perspetivas de o analisar, existe um consenso em relação à importância da qualidade em saúde e à compreensão de que esta está diretamente relacionada com as condições onde os profissionais de saúde trabalham e com as crescentes necessidades e expetativas dos doentes. É clara a necessidade de implementação de políticas de qualidade em saúde que introduzam medidas de melhoria da qualidade de uma forma mais consistente e sistemática ou seja, é premente a introdução de boas práticas de governança clínica, por si só facilitadoras do processo de melhoria continua de qualidade de cuidados.

    O contexto atual que se vive é marcado pelas alterações populacionais e de padrões de doença, pelo aumento da tecnologia e do conhecimento, o que consequentemente leva a um aumento de expetativas por parte dos utilizadores, que exigem cuidados com crescente qualidade. Atualmente, a qualidade é vista como um atributo essencial e fundamental dos cuidados de saúde que tem por base algumas especificidades, tais como: evolução ajustada às necessidades demonstradas; preventiva e responsiva; integrativa ao nível da efetividade, da eficiência, da aceitabilidade e equidade. A implementação de políticas de melhoria contínua da qualidade dos cuidados de saúde é atualmente imperativa sendo que, durante os últimos anos, o conhecimento e a experiência neste âmbito aumentaram significativamente.  Segundo a OMS, a qualidade pode ser alcançada em todos os contextos, independentemente das possibilidades financeiras, através de uma boa liderança, de um bom planeamento e de investimentos inteligentes.

Concluindo a governança clínica surge assim como uma nova abordagem de melhoria da qualidade, que nos permite através de um conjunto de iniciativas de regulação, a promoção de uma cultura e clima que potencie a melhoria contínua da qualidade na prestação dos cuidados no SNS.

Ana Rita Leal de Nóbrega
Enfermeira Coordenadora do Centro de Responsabilidade Integrada de Dermatovenereologia do Hospital Garcia de Orta EP.E.
Enfermeira Especialista em Enfermagem Comunitária