sábado, 21 de agosto de 2021

Um Doente Sírio, uma Obra, Comunicação Inadequada e Segurança do Doente

 

Há coisas que parecem não estar ligadas, mas quando falamos de comunicação percebemos que as ligações existem e que a segurança do doente pode ser colocada em causa.

1 Caso

Por estes dias foi atendido na consulta um doente sírio. Uma criança acompanhada pelo seu pai. Estas pessoas apenas falam árabe. Uma família Síria, refugiada em Portugal, que só fala a sua língua de origem, e que tem um filho com um problema de saúde complexo.

Como profissionais de saúde temos a obrigação de fazer um esforço acrescido para compreender estas situações particulares.

De nada serve entrar em conflito, falar em português de forma acelerada, gesticular. É tudo o que não se deve fazer.

Pelo contrário, com calma, utilizando um tradutor online, frases curtas, e empatia, foi possível ultrapassar o desentendimento e programar uma nova consulta para decisão terapêutica. Até lá vamos conseguir ter presente um tradutor que nos vai ajudar a comunicar melhor com a família

Para quem não sabe, existe um serviço de tradução que pode ser solicitado. Trata-se da Linha de Tradução Telefónica do ACM (Alto Comissariado para as Migrações).

Deixo o link para obteres mais informações: https://www.acm.gov.pt/pt/-/servico-de-traducao-telefonica

 

2 Caso

Esta semana foi necessário dar continuidade é uma obra. Quem já teve obras num serviço com este a decorrer sabe como isso pode ser stressante.

O Empreiteiro pediu para, num dia específico, poder entrar no serviço às 7h00m (antes da hora de abertura normal). A portaria e o Serviço de Segurança foram informados.

Mas no dia previsto, à hora prevista, ninguém foi abrir a porta do serviço para que os trabalhadores pudessem entrar e assim executar mais uma parte importante da obra em curso, sem a presença de doentes.

Como acabaram por entrar mais tarde, os trabalhos prolongaram-se para além da hora prevista para a chegada dos primeiros doentes. Apenas com a boa vontade de todos foi possível prestar cuidados em segurança, ao mesmo tempo que uma obra importante avança.

A comunicação prévia foi feita, no entanto ela falhou, não ouve proatividade de quem estava presente à 7h, e poucos perceberam que uma obra que aparentemente nada tem a ver com a prestação de cuidados pode afinal influenciar e muito a segurança dos doentes.

 -----------------------------------------------------------------------------

Estes são apenas dois exemplos de como uma comunicação inadequada interfere de forma importante na segurança do doente.

A forma e o meio que utilizamos para comunicar, podem ser interpretados de múltiplas formas pelo recetor da mensagem. Assim, esclarecer e pedir confirmação da mensagem nunca é demais.

Também fica evidente que a cultura de segurança de todos os envolvidos está longe de ser a ideal.

Num serviço de saúde todas as atividades têm direta ou indiretamente, impacto na prestação de cuidados e por isso são importantes para a segurança do doente, dos profissionais, e da própria instituição.

Se esta realidade não é percebida por todos, isso acaba por colocar em risco todo um trabalho de planeamento e de gestão do risco.

É preciso empenho, formação e mais e melhor comunicação entre todos. É importante que todos saibam a importância das suas ações para a cultura de segurança da instituição e o seu impacto na segurança do doente.

No final é sempre o doente que sofre as consequências.

Fernando Barroso

UM DIA SERÁS TU O DOENTE!

#umdiaserastuodoente


quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Usar o DEBRIEFING para vincular a Qualidade, a Segurança do Doente e o bem-estar do Profissional | #SD422

O pedido do facilitador do debriefing para fazer uma reunião de debrief depois do caso foi recebido com rostos perplexos.

"Porquê?" perguntou o líder da equipa. “Tivemos um ótimo resultado e as coisas correram bem. Eu não teria feito nada diferente.” A equipa estabilizou com sucesso um doente com um trauma grave, completando múltiplas intervenções complicadas simultaneamente com precisão priorizada, comunicação clara e excelente trabalho de equipa em geral.

Não surpreso com a resposta, o facilitador reuniu a equipa. Rapidamente ficou claro que um membro da equipa estava a evitar o seu olhar. À medida que o debrief avançava, ele foi incentivado a compartilhar a sua reação ao caso. Ele referiu então que estava chateado com um caso semelhante no início daquela semana, quando não conseguiu concluir com sucesso um determinado procedimento.

Vários membros da equipa falaram para normalizar a situação, compartilhando as suas próprias experiências com dificuldades em casos complicados e a realidade de que às vezes as coisas não correm tão bem como o caso presente. Aparentemente mais tranquilo, o membro da equipa então ofereceu a sua perspetiva sobre porque aquela tarefa tinha corrido bem no caso atual. A equipa identificou as lições que eram amplamente aplicáveis. O debriefing foi concluído sete minutos após o início.

Os debriefings na saúde são conversas colaborativas e reflexivas que ocorrem a seguir a um evento simulado ou clínico.

O debriefing é uma forma poderosa de capturar o conhecimento e as adaptações dos profissionais de saúde da linha de frente e facilita a compreensão dos recursos e restrições do sistema. Está demonstrado que o debriefing melhora o desempenho e os resultados clínicos, e o seu uso visa aperfeiçoar o pensamento crítico e melhorar a prática clínica futura.

Os debriefings são normalmente conduzidos para analisar eventos e maximizar a melhoria da qualidade, segurança do doente e cultura geral de segurança.

Os debriefings após simulações in-situ feitas no ambiente clínico real - ao contrário de um centro de simulação - têm sido utilizados para identificar lacunas de conhecimento, reforçar comportamentos de trabalho em equipa e identificar ameaças de segurança não relatadas anteriormente, como por exemplo o mau funcionamento de equipamentos e lacunas de conhecimento relativas à responsabilidade de uma determinada função entre os profissionais de saúde.

Os métodos de debriefing foram amplamente adaptados da aviação e da psicologia e existem muitos modelos de debriefing para após-simulação e de eventos clínicos. Vários estudos também indicam que não existe uma forma certa de fazer o debrief.

Todos os modelos de debriefing publicados tendem a ter estes componentes principais:

  • Estabelecer segurança psicológica
  • Evidenciar as reações
  • Uma descrição do caso
  • Análise do (s) evento (s)
  • Resumo

O debriefing pode ocorrer imediatamente após a conclusão de um evento, no final de um turno ou durante uma futura reunião. Embora o debriefing possa incluir a presença de um facilitador treinado, as equipas também podem realizar o debrief sozinhas usando um guião de debriefing e recursos cognitivos.

Durante o debriefing, os membros da equipa reúnem-se para discutir os detalhes do caso e rever de forma colaborativa as suas ações, processos de pensamento e raciocínio clínico. Eles discutem áreas em que são fortes e oportunidades de melhoria. A discussão pode ser ampliada para incluir casos comparáveis com resultados semelhantes ou diferentes e como as ações da equipa e os processos de pensamento são comparados.

Um benefício muitas vezes invisível do debriefing pode - e deve ser - o debriefing para o bem-estar dos profissionais de saúde. Qualidade, cultura de segurança e bem-estar dos profissionais estão intimamente ligados, e o debriefing é uma forma de abordar estes três aspetos.

Ninguém consegue envolver-se totalmente nas discussões sobre a maximização da qualidade dos cuidados e da segurança do doente enquanto está angustiado, e ninguém em angústia com as suas experiências de prestação de cuidados pode realmente ultrapassar essa angustia sem um debriefing, um fórum para ser ouvido e compartilhar as suas perspetivas e ideias.

O debriefing serve como uma “rede de segurança” de várias maneiras.

É uma forma proactiva de descobrir oportunidades de melhoria, incluindo ameaças latentes à segurança que podem ser mitigadas antes que ocorram danos.

Além disso, o debriefing pode servir para identificar o stress do trabalhador e a necessidade de suporte adicional, relacionado ou não com um caso específico. Isso permite que os facilitadores encaminhem os indivíduos para programas específicos, como por exemplo programas de apoio de pares e serviços de saúde ocupacional disponíveis.

O debriefing também serve como um fórum para a resolução de conflitos se houver desacordo durante um caso. Em vez de ignorar as diferenças, ele apoia o diálogo aberto entre os membros da equipa, permitindo que todos compartilhem as suas perspetivas e áreas de preocupação.

 

Aprender com todos os tipos de eventos

Historicamente, a ciência da segurança da saúde tem-se concentrado predominantemente na redução do risco e em minimizar os danos aprendendo quando as coisas “correm mal” (Segurança – I).

O uso de debriefing é frequentemente usado em cuidados de saúde após eventos de alto risco (por exemplo, reanimação após paragem cardíaca, hemorragia pós-parto ou tratamento de trauma) ou resultados desfavoráveis.

Embora o debriefing e a aprendizagem com os eventos “positivos” sejam rotineiros após as simulações, os programas de debriefing de simulação e de eventos clínicos costumam ser mais focados no debriefing de Segurança-I.

Embora alguns modelos de debriefing publicados incluam a análise de resultados favoráveis, eles não incluem um guia para aprofundar os fatores que contribuem para um desempenho positivo. Isso inclui a exploração de conceitos específicos de Segurança-II, como adaptação, utilização de recursos e soluções alternativas para aproveitar o poder do trabalho como ele é feito no “dia-a-dia” (versus trabalho como imaginado, por exemplo, protocolos). Desenvolvido por meio de consenso de especialistas, é proposta a Ferramenta de Debriefing de Saúde - Safety-II.

O uso da ferramenta Safety-II encoraja a revisão de todos os eventos, incluindo os mais rotineiros, porque há muito a ganhar com o debriefing de todos os tipos de caso.

Isso permitirá a análise e o reforço do motivo pelo qual, na maioria dos casos, as coisas “correm bem”. Além disso, se a discussão e revisão facilitadas se tornassem a norma depois de todos os casos, independentemente do resultado, o debriefing muito provavelmente mudaria do que muitas vezes é percebido como algo punitivo e estigmatizado - ou mesmo temido - para uma conversa bem-vinda e produtiva pós-evento.

Analisar resultados positivos também permitiria aos profissionais de saúde usar situações de risco relativamente baixo para desenvolver a sua capacidade de compartilhar ideias e prepará-los para conversas pós-evento mais difíceis.

Mais debriefing beneficiaria muito o bem-estar dos profissionais e a qualidade e segurança dos cuidados de saúde. O debriefing, incluindo o Safety-II, prepara o terreno para o debriefing de qualquer tipo de evento ou resultado, prepara as equipas para realizar mais debriefings e prepara-os para o debriefing após um evento particularmente emocional ou desfavorável.

O debriefing, inclusive de Segurança-II, pode ensinar-nos a melhor forma de apoiar a aprendizagem e o bem-estar durante os debriefings dos casos mais difíceis, mais tristes ou mais desafiadores.

Fernando Barroso

UM DIA SERÁS TU O DOENTE!

#umdiaserastuodoente

Adaptado da Fonte: Linking Quality, Safety, and Wellness Through Health Care Debriefing; Suzanne Bentley, Simon Huang, Mona Krouss e Komal Bajaj. Disponível em http://www.ihi.org/communities/blogs/linking-quality-safety-and-wellness-through-health-care-debriefing