domingo, 25 de agosto de 2019

Erro Terapêutico - O Apelo de uma Enfermeira (#SD357)

À umas semanas atrás recebi por e-mail o apelo de uma Enfermeira.
Em jeito de desabafo, era assumido um erro de administração de terapêutica (um erro que pode acontecer a qualquer um de nós) e que resulta do facto de estarmos todos sujeitos às mesmas regras relacionadas com os Factores Humanos.

Foi esta a mensagem que recebi no meu e-mail (é protegida a identidade o serviço e a Instituição da Colega).

"Desta vez aconteceu comigo...
Uma doente internada num pós-operatório imediato tomou um anticoagulante per os, por engano, que era para a doente internada na cama ao lado com um diagnóstico de trombose venosa profunda.
Um erro grave que felizmente não trouxe consequências para a doente pois a equipa médica foi informada e foram tomadas todas as precauções necessárias.

Mas esta falha fez-me reflectir bastante.
- Porque aconteceu comigo?
Eu que tenho estudado esta temática e lido inúmeros artigos e que conheço as estratégias de prevenção do erro terapêutico, eu que procuro todos os dias melhorar a minha prática.
Pois bem... Eu sou humana e erro e não sou a única, pois após este incidente alguns colegas partilharam comigo situações semelhantes!

A questão é que o erro terapêutico é um fantasma, ele existe, mas ninguém parece vê-lo ou ter a coragem de o assumir, vivemos ainda numa cultura de muito medo e culpa.

A verdade é que cada vez mais se vai dando importância a esta temática e algumas melhorias têm vindo a ser feitas. Por exemplo na área de distribuição de medicação foi criado o sistema de unidose que tantos erros evita, no âmbito da prescrição foi criado o sistema de prescrição informático que tantos erros evita, mas para prevenir erros de preparação e administração de terapêutica que são com certeza os erros que maiores danos podem causar ao doente muito pouco tem sido feito, na minha opinião.

Os enfermeiros preparam a medicação numa sala para esse mesmo efeito para todos os doentes a seu cargo e identificam a medicação preparada com o número da cama do doente e posteriormente é junto do doente que é administrada a medicação já preparada, não tendo acesso à prescrição do doente no momento da administração, o que seria uma grande mais valia. 
As recomendações de vários artigos para a preparação e administração de medicação seguras recomendam que a medicação seja preparada exactamente antes da sua administração, junto do doente. 

Depois deste incidente mais do que me culpabilizar, tentei de imediato implementar estratégias para que tal não volte a acontecer.
Em todos os turnos imprimo a folha de terapêutica do doente e levo-a no carro de medicação e antes de administração faço nova confirmação.
Passei também a escrever informação mais completa acerca do doente no medicamento que preparo. 

Mas uma vez que no meu serviço existem alterações de prescrição muito frequentes penso que esta medida é um pouco dispendiosa pela quantidade de vezes que se tinha de imprimir novas folhas de prescrição e também uma medida pouco amiga do ambiente.

Penso que a colocação de um equipamento informático (um tablet ou PC portátil) nos carros de medicação em que haja acesso ao “sistema de prescrição do medicamento” seria uma medida bastante vantajosa. Seria assim possível preparar a medicação no momento da sua administração, ter acesso à terapêutica prescrita em S.O.S sem ter de percorrer o serviço para ir à sala de terapêutica, o que levaria a menos perda de tempo. 
Tenho conhecimento de alguns hospitais que adoptaram esta prática.
Tenho reflectido bastante sobre este assunto e gostava que algo mudasse na nossa prática.
Obrigada pelo tempo que lhe tomei, precisava de partilhar este desabafo.
Cumprimentos,"

O relato foi sentido, e depois disso já voltamos a conversar sobre o assunto, planeando novas medidas correctivas.

Há certamente muito que podemos e devemos continuar a fazer para permitir que os enfermeiros e outros profissionais não tenham medo de notificar este tipo de incidentes, para que assim seja possível aumentar a segurança do medicamento e promover uma prestação de cuidados de saúde mais segura.


“Os profissionais de saúde não querem causar dano aos doentes, mas muitas vezes acabam por fazer isso mesmo.
Especialização, competência e trabalho duro nem sempre protegem os doentes contra erros e omissões que resultam em danos.
Há momentos em que podemos ver claramente como uma determinada acção resulta num incidente ou quase incidente, mas muitas vezes as nossas acções simplesmente violam as barreiras de defesa, criando condições ocultas de maior risco.

O primeiro passo é aceitar que todos cometemos erros ou esquecemos as coisas, independentemente de nossa experiência, habilidade técnica ou antiguidade.
Pode ser algo tão simples quanto esquecer de pedir um Rx ao doente antes de o levar para o bloco operatório e ter que voltar atrás, ou catastrófico, como seleccionar a seringa errada e administrar uma dose de medicamento fatal.
Cada um de nós é humano e isso significa que nunca somos 100% perfeitos em 100% do tempo.” (Fernando Barroso - A influência dos Factores Humanos na segurança do doente - Um Guia para compreender e implementar a mudança; p23; 2019; 1ª edição).


Fernando Barroso
UM DIA SERÁS TU O DOENTE!

#segurancadodoente

Termino recordando um texto publicado na Revista em papel da Ordem dos Enfermeiros nº 17 de 2005, intitulado"Erros de Medicação".
Este é um texto traduzido de um original do International Coucil of Nurses.


1 comentário:

  1. Excelente! Gosto muito do que publica a Ordem dos Enfermeiros.
    Tive oportunidade de gerenciar hospital em que o carro de medicação é distribuído com com 5 gavetas que correspondem cada uma a um paciente. Um carro para cada técnico de Enfermagem. Medicações dispensadas no máximo para cada 4 horas. A medicação é aberta e preparada na frente do paciente. Antes com leitor ótico beira leito à segurança era maior. Paciente, droga e profissional. É fato que algo abrangente precisa ser feito na ponta da cadeia. Medicações preparadas longe do paciente conferem muito risco.

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