Em
dezembro de 2017, um erro catastrófico na administração de medicação levou à
morte de uma doente no Centro Médico Universitário de Vanderbilt.
Enquanto
aguardava uma PET
(tomografia), uma mulher de 75 anos apresentava-se ansiosa, pelo que lhe foi
prescrito uma dose de um sedativo, o versed (midazolan). No entanto foi
administrada uma dose de vecurônio, um bloqueador neuromuscular paralisante, em
vez do sedativo prescrito, versed (midazolan).
As
acusações alegam que a enfermeira pretendia efetivamente administrar o medicamento
prescrito, versed (midazolan). No entanto, a enfermeira não conseguiu encontrar
o medicamento no dispensador automático de medicamentos (DAM), por isso
utilizou uma função de sobreposição do sistema de segurança e digitou as
primeiras duas letras da medicação que procurava “VE”, acabando por inadvertidamente
retirar o vecurónio do armário.
Como
o vecurônio suprime a respiração normal e a doente ficou sozinha enquanto
aguardava o início do teste, esta sofreu uma paragem cardiorrespiratória.
Apesar
da doente ter sido reanimada, já era tarde demais para evitar a morte cerebral
e, mais tarde, ela foi retirada do suporte de vida.
Esse
caso foi amplamente divulgado na comunicação social como um exemplo de um incidente de segurança do doente evitável
que causam dano ou matam muitos doentes, apesar dos nossos esforços
para tornar a saúde mais segura.
Ao
atingirmos o aniversário de 20 anos do
histórico relatório do Institute of
Medicine - To Err Is Human, um marco histórico
do movimento de segurança do doente nos EUA, devemos humildemente reconhecer
que, embora tenhamos feito muitas progressos, ainda há muito mais trabalho para
fazer.
Este evento foi
criminoso?
Em
fevereiro de 2019, a enfermeira que cometeu este erro foi acusada de homicídio negligente.
O
conhecimento que temos deste evento vem somente do relatório do investigador do
center for medicare & medicaid services
(CMS). Com
base nas descobertas do investigador, parece que várias lacunas nos processos estiveram
“alinhadas” ao ponto de causar a morte da doente.
Todos
os dias, são analisados eventos adversos nas organizações de saúde. A maioria
dos eventos adversos (que causam dano ao doente) compartilha alguns traços
comuns:
- Os incidentes no sector de saúde quase nunca têm uma única “causa raiz”;
- Tais eventos geralmente resultam de uma série de problemas em cascata;
- A pessoa mais próxima do doente raramente tem toda a responsabilidade.
Criminalizar
os erros humanos, tal como acusar a enfermeira que administrou o medicamento
fatal de homicídio, não impedirá que outros erros aconteçam no futuro. Isso
apenas fará com que este tipo de incidentes sejam ocultos, apagando muito do progresso que
fizemos, ao aumentar a visibilidade dos problemas de segurança e tornando
seguro falar abertamente sobre eles.
A ameaça de punição não faz nada para
evitar erros que, pela sua natureza, não são cometidos com premeditação e
intenção.
Olhando um pouco mais
de perto
De
acordo com o relatório do investigador, a enfermeira relatou que não tinha verificado o nome do medicamento que retirou do DAM e não ficou com o doente
após ter administrado aquilo que ela considerou ser o Versed (um medicamento de alerta máximo).
Vários
alertas visíveis - no frasco e no monitor do DAM - foram ignorados ou não
percebidos.
No
entanto, esta enfermeira não é de forma alguma a primeira pessoa a cometer um
erro com uma medicação de alerta máximo.
O
Instituto ECRI analisou 261 eventos que envolveram bloqueadores neuromusculares e encontrou
falhas comuns, incluindo o uso errado do medicamento ou dose errada, erros de
prescrição, monitorização inadequada do doente após a administração e
bloqueadores neuromusculares deixados sem segurança nas áreas de atendimento do
doente.
O
relatório do investigador cita uma análise do ISMP que afirma que “o
tipo mais comum de erro com bloqueadores neuromusculares parece ser a
administração errada do medicamento”.
Devemos,
pois, ser cépticos relativamente a qualquer impulso de culpar apenas a enfermeira,
uma vez que claramente outros já cometeram erros semelhantes.
Existem
numerosos factores contribuintes no
relatório do investigador que poderiam ter influenciado a Enfermeira tornando-a
mais susceptível a “cortar os cantos”.
Por
exemplo, no momento em que ela retirou o medicamento do ADC, ela foi distraída por uma conversa com outro
profissional que ela estava a integrar.
Este
evento ocorreu a 26 de Dezembro, o dia depois do Natal, um dia em que
historicamente existem dificuldades com
as dotações de pessoal.
Existem
outros fatores que poderiam ser considerados, mas não foram discutidos no
relatório.
Por
exemplo, embora a decisão da enfermeira de anular o sistema de segurança do DAM
para obter o medicamento tenha sido uma decisão infeliz, o relatório não
discute a quantidade de vezes em que o sistema de segurança do DAM é anulado
pelos Enfermeiros, todos os dias, para conseguirem acompanhar a sua carga de
trabalho. Desta forma, aquilo que pode parecer um desvio incomum do sistema de
segurança do DAM pode agora ser visto num contexto diferente se soubéssemos que
os enfermeiros rotineiramente se sobrepõem ao sistema de segurança, por causa
de problemas no fluxo de trabalho ou no próprio sistema informático do DAM.
Este
incidente está repleto de factores humanos, que parece não terem sido
considerados.
Principais sugestões
de segurança
O
mais importante é olhar para o que podemos aprender com o relatório do incidente.
Primeiro,
há várias oportunidades para melhorar a segurança ao nível organizacional relativamente
aos sistemas e processos de prestação de cuidados. Por exemplo, a instituição deve
decidir se o vecurônio deve estar disponível fora das salas de cirurgia e
disponível a partir de um DAM (mesmo que o sistema de segurança seja anulado) sem
que exista uma prescrição efetiva e uma dupla verificação.
Outro
tópico a considerar neste evento é relativo aos componentes de tecnologias de
informação (TI) na saúde. Neste caso o DAM foi configurado para mostrar apenas
nomes de medicamentos genéricos. Assim, quando a enfermeira digitou “VE” no
sistema, o vecurônio foi exibido na lista, em vez do sedativo pretendido, versed
(um nome comercial).
Isso
pode ter facilitado a selecção do medicamento errado.
A
leitura do código de barras de medicamentos antes da administração poderia ter
fornecido um aviso adicional que poderia ter interrompido a trajectória deste
evento, mas a tecnologia ainda não tinha sido implementada no Serviço de Radiologia,
local onde o medicamento foi administrado.
Por
fim, a política de medicação de alerta máximo da organização não incluía sedativos
moderados, como o midazolan (versed), e não fornecia orientações sobre como e durante
quanto tempo se deve monitorizar o doente após administração.
Apesar
de alguns dos erros neste triste caso implicarem a responsabilização, a criminalização de eventos adversos na
área da saúde não é a resposta.
O melhor que podemos
fazer é tomar medidas para impedir que o mesmo evento volte a acontecer com
outra pessoa.
Há mais hipóteses de melhorar a segurança se os profissionais de saúde tiverem a
certeza de que serão tratados de forma
justa quando ocorrerem acidentes.
Algumas questões que
deves colocar-te:
- O local onde trabalho possui uma lista de medicamentos de alto risco?
- Os momentos de “preparação de terapêutica” são respeitados e evitadas as distracções?
- Se o meu serviço possui um dispensador automático de medicamentos, de que forma é garantida a formação dos profissionais, a reciclagem dessa formação e a auditoria à correta utilização e funcionamento do equipamento?
Estas
são apenas algumas questões que te devem fazer reflectir sobre as práticas de
segurança no teu serviço/instituição.
Este
infeliz incidente é apenas um exemplo da influência negativa dos FACTORES HUMANOS na segurança dos doentes.
Vamos procurar antes os
problemas nos nossos sistemas imperfeitos em vez de procurar primeiro uma
pessoa conveniente para culpar.
Fernando Barroso
Texto adaptado em parte de William M.
Marella
UM DIA SERÁS TU O DOENTE!
#segurancadodoente
Já conheces a ESCOLA DE SEGURANÇA DO DOENTE?
Olá
ResponderEliminarExcelente post.
Parabéns amigo Fernando!
Mais importante do que «apontar o dedo» é encontrar as causas....
Cumprs
Augusto