segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

INFEÇÕES URINÁRIAS RELACIONADAS COM CATETER VESICAL | Desafios à implementação da norma da DGS | SD274

INFEÇÕES URINÁRIAS RELACIONADAS COM CATETER VESICAL
Desafios à implementação da norma da DGS

Resumo da apresentação nas II Jornadas da Qualidade e Segurança do Doente, decorridas no IPO de Coimbra, a 10 de novembro de 2017.
Autor: Filipe Santos | Enfermeiro – GCL-PPCIRA |Pós-graduado em Gestão de Unidades de Cuidados | Mestrando em Enfermagem

As infeções associadas aos cuidados de saúde (IACS) têm uma taxa de prevalência de 10,5%, quase o dobro da verificada na União Europeia (UE). A taxa de incidência verificada na UE é de 6,1%. As infeções custam a cada cidadão da UE cerca de 3000€/ano.

As principais localizações das IACS, consoante a bibliografia pesquisada, são as vias respiratórias e as vias urinárias.

Os microrganismos mais frequentemente isolados são Staphylococcus áureos resistentes à meticilina (nas vias respiratórias) e Escherichia coli, Staphylococcus saprophyticus, Proteus sp., Klebesiella sp. e Enterococcus faecalis (nas vias urinárias).

A problemática das IACS é silenciosa e desvalorizada. Para se ter uma ideia, em Portugal, por ano, morre-se 7,2 vezes mais de IACS do que de acidentes de viação. Contas feitas, morrem diariamente 12,6 doentes devido a IACS.

A resistência aos antimicrobianos tem sido uma preocupação crescente. Acredita-se que se não forem encontrados novos antibióticos podem morrer anualmente 390000 pessoas em 2050 só na UE. Estimativas apontam para que 10000000 de pessoas em todo o mundo possam morrer devido à resistência aos antimicrobianos em 2050.

A prescrição de antibióticos perante bacteriúria assintomática não deve acontecer. Se a bacteriúria for sintomática deve ser tratada com antibiótico de baixo espectro, baseado no cultura da urina e no perfil de sensibilidade.

As infeções urinárias (IU) são das mais frequentes e aumentam em 2,4 dias o internamento de doentes cirúrgicos. 17% das bacteriemias nosocomiais são de fonte urinária e têm uma mortalidade associada de 10%. No entanto, as IU têm baixa morbilidade comparativamente a outra IACS.

De todas as IU, entre 70% a 80% são devidas à presença de cateter vesical (CV).

Entre 16% a 25% dos adultos hospitalizados sofrem, em algum momento, cateterização vesical. O risco de adquirir bacteriúria aumenta entre 3% a 7% por cada dia de cateterização vesical contínua. O crescimento bacteriano ao longo da uretra e após introdução do CV é de 5% a 10% ao dia. Isto significa que ao final de 4 semanas o número de bactérias aumentou 100%, seja flora endógena ou exógena. A prevalência de IU não associada a CV é 8,2 vezes menor comparativamente às IU associadas a CV.

Em 2017 os custos calculados pelo Centers for Disease Control, nos Estados Unidos da América (EUA), relativos a IU associadas CV em unidades de internamento hospitalar foram entre 862 a 1.007 dólares americanos. No mesmo ano foram gastos entre 390.000.000 e 450.000.000 dólares americanos. Embora não tenha sido a infeção mais dispendiosa, a IU associada a CV foi a mais frequente.

As consequências da IU associada ao CV são várias. Entre elas:
• Desconforto do doente
• Aumento do tempo de internamento
• Aumento do consumo de antibióticos
• Aumento de infeções secundárias
• Aumento das horas necessárias para cuidados ao doente
• Aumento de vigilância e acompanhamento médico
• Aumento de exames complementares de diagnóstico

Os fatores de risco para desenvolvimento de IU associada a CV são (os fatores passíveis de modificação estão sinalizados com *):
• Cateterismo vesical, mesmo que intermitente*
• Cateterismo prolongado*
• Idade avançada
• Sexo feminino
• Admissão pela urgência
• Défice imunitário
• Descontinuidade do sistema de drenagem*
• Incontinência
• Manipulação inadequada*
• Histórico de procedimentos cirúrgicos às vias urinárias

Acredita-se que entre 17% a 69% das IU associadas a CV podem ser prevenidas com o cumprimento de recomendações de controlo de infeção.

Embora existem diferentes culturas nos hospitais, no que respeita a quem inicia o processo para a cateterização vesical, o que importa é que a cateterização deve ser evitada a todo o custo e só em situações bem definidas é que deve ser realizada.

As indicações para cateterização são:
• Doentes com impossibilidade de micção espontânea
• Doentes graves, em unidades de cuidados intensivos
• Doentes paliativos, com consentimento do doente
• Retenção urinária não resolvida com outras intervenções
• Necessidade de manter o doente imobilizado, por trauma ou cirurgia
• Doentes hemodinamicamente instáveis, com necessidade de monitorização de débito urinário
• Durante cirurgias com anestesia geral
• Pós-operatório, pelo menor tempo possível, com o tempo máximo recomendado de 24 horas, excepto em cirurgias urológicas específicas
• Tratamento de úlceras de pressão de categoria ≥ 3, em mulheres, com cicatrização comprometida pelo contacto com a urina
• Tratamento de úlceras de pressão de categoria ≥ 3, em homens, com cicatrização comprometida pelo contacto com a urina, em que o dispositivo urinário masculino não se tenha revelado eficaz

As alternativas ao cateterismo vesical são:
• Estimular a micção espontânea através da emissão de água corrente
• Aplicar bolsa de água morna na região supra púbica
• Utilizar fraldas, auxiliar e supervisionar idas ao WC
• No sexo masculino, utilizar dispositivos urinários não invasivos

A bibliografia recomenda protocolos onde conste, de forma clara, as situações em que se deve realizar o cateterismo, quem faz o cateterismo, quem verifica diariamente a necessidade de manter o cateterismo, quem faz a manutenção do CV e quem faz os registos.

A Direção-Geral da Saúde (DGS) emanou, em 2015, uma norma intitulada “Feixe de Intervenções de Prevenção de Infeção Urinária Associada a Cateter Vesical”. Esta norma foi atualizada em 2017, sendo que a atualização foi a substituição do termo “doente” para o termo “pessoa”.

Esta norma vai ao encontro das evidências publicadas acerca da temática.

Os feixes de intervenção são:
• Evitar o cateterismo vesical e, quando impossível, documentar no processo clínico a razão da necessidade de cateterismo vesical
• Verificar diariamente a necessidade de manter o CV e documentar no processo clínico a razão para manter o CV. Caso não seja necessário o CV proceder e documentar a retirada do CV
• Cumprir técnica assética na introdução na técnica de cateterismo vesical e de conexão do sistema de drenagem
• Cumprir técnica limpa (nomeadamente higienização das mãos, uso de luvas e avental) no despejo do saco coletor
• Manter o CV seguro, sempre com o saco coletor abaixo do nível da bexiga
• Realizar diariamente a higiene do meato urinário

O cumprimento do desta norma é do tipo “tudo ou nada”. Ou seja, ou se cumpre tudo (desde que aplicável) e tem-se 100% de conformidade ou basta ter um item “não conforme” para que a conformidade seja 0%.

Os grupos coordenadores locais do programa de prevenção e controlo de infeção e resistência aos antimicrobianos (GCL-PPCIRA) das unidades hospitalares têm de enviar os dados das auditorias para a DGS. O objetivo da DGS é que o cumprimento seja superior a 75%.

A taxa de 75% entra para o nível de qualidade dos GCL-PPCIRA dos hospitais. Isto é, o cumprimento ou não da meta altera o financiamento das unidades hospitalares. Por isso, a responsabilidade de cumprir a norma por parte de toda a comunidade hospitalar sem atropelamento de responsabilidade e competências.

Não esqueçamos que o não cumprimento da norma é uma clara violação à segurança dos cuidados nas pessoas a que prestamos cuidados de saúde.

Se é para bem do doente… temos de cumprir, todos.


O Blog "Segurança do Doente" agradece ao Enfermeiro Filipe Santos a partilha deste trabalho na forma de artigo.

UM DIA SERÁS TU O DOENTE!



BIBLIOGRAFIA
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (2017). Critérios Diagnósticos de Infecção Relacionada à Assistência à Saúde. 2ª Edição. Obtido a 4 de novembro de 2017 em de www.anvisa.gov.br.
Almeida, G.; et al. (2016). Infeções associadas aos cuidados de saúde – Contributo da industria de meios de diagnóstico in vitro para o seu controlo.
Andrade, V.; Fernandes, F. (2016). Prevenção da infeção do trato urinário associado ao ceteterismo: estratégias na implementação de guidelines internacionais. Revista Latino-Americana de Enfermagem. DOI: 10.1590/1518-8345.0963.2678.
Carrara, D.; Strabelli, T.; Uip, D. (2016). Controle de infecção: a prática no terceiro milênio. ISBN 9788527730495. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.
Centers for Disease Control and Prevention (2009). Guideline For Prevention of Catheter associated Urinary Tract Infections 2009
Diário da República (2016). Despacho n.º 3844-A/2016.
Direção-Geral da Saúde (2013). Prevalência De Infeção Adquirida No Hospital E Do Uso De Antimicrobianos Nos Hospitais Portugueses - Inquérito 2012
Direção-Geral da Saúde (2015). Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos em Números – 2015.

Direção-Geral da Saúde (2017). Norma 019/2015 - “Feixe de Intervenções” de Prevenção de Infeção Urinária Associada a Cateter Vesical. Obtido a 4 de novembro de 2017 em www.dgs.pt.

2 comentários:

  1. Olá
    Números que devem fazer pensar....
    Cumprs
    Augusto

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  2. Olá! Realmente dados que tem de ser divulgados para alertar as pessoas.

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