INFEÇÕES URINÁRIAS RELACIONADAS COM CATETER VESICAL
Desafios
à implementação da norma da DGS
Resumo da apresentação nas II Jornadas da Qualidade e
Segurança do Doente, decorridas no IPO de Coimbra, a 10 de novembro de 2017.
Autor: Filipe Santos | Enfermeiro – GCL-PPCIRA |Pós-graduado em Gestão de Unidades de Cuidados | Mestrando em Enfermagem
As infeções associadas aos
cuidados de saúde (IACS) têm uma taxa de prevalência de 10,5%, quase o dobro da
verificada na União Europeia (UE). A taxa de incidência verificada na UE é de
6,1%. As infeções custam a cada cidadão da UE cerca de 3000€/ano.
As principais localizações das
IACS, consoante a bibliografia pesquisada, são as vias respiratórias e as vias
urinárias.
Os microrganismos mais
frequentemente isolados são Staphylococcus áureos resistentes à meticilina (nas
vias respiratórias) e Escherichia coli, Staphylococcus saprophyticus, Proteus
sp., Klebesiella sp. e Enterococcus faecalis (nas vias urinárias).
A problemática das IACS é
silenciosa e desvalorizada. Para se ter uma ideia, em Portugal, por ano,
morre-se 7,2 vezes mais de IACS do que de acidentes de viação. Contas feitas,
morrem diariamente 12,6 doentes devido a IACS.
A resistência aos antimicrobianos
tem sido uma preocupação crescente. Acredita-se que se não forem encontrados
novos antibióticos podem morrer anualmente 390000 pessoas em 2050 só na UE.
Estimativas apontam para que 10000000 de pessoas em todo o mundo possam morrer
devido à resistência aos antimicrobianos em 2050.
A prescrição de antibióticos
perante bacteriúria assintomática não deve acontecer. Se a bacteriúria for
sintomática deve ser tratada com antibiótico de baixo espectro, baseado no
cultura da urina e no perfil de sensibilidade.
As infeções urinárias (IU) são
das mais frequentes e aumentam em 2,4 dias o internamento de doentes
cirúrgicos. 17% das bacteriemias nosocomiais são de fonte urinária e têm uma
mortalidade associada de 10%. No entanto, as IU têm baixa morbilidade
comparativamente a outra IACS.
De todas as IU, entre 70% a 80%
são devidas à presença de cateter vesical (CV).
Entre 16% a 25% dos adultos
hospitalizados sofrem, em algum momento, cateterização vesical. O risco de
adquirir bacteriúria aumenta entre 3% a 7% por cada dia de cateterização
vesical contínua. O crescimento bacteriano ao longo da uretra e após introdução
do CV é de 5% a 10% ao dia. Isto significa que ao final de 4 semanas o número
de bactérias aumentou 100%, seja flora endógena ou exógena. A prevalência de IU
não associada a CV é 8,2 vezes menor comparativamente às IU associadas a CV.
Em 2017 os custos calculados pelo
Centers for Disease Control, nos
Estados Unidos da América (EUA), relativos a IU associadas CV em unidades de
internamento hospitalar foram entre 862 a 1.007 dólares americanos. No mesmo
ano foram gastos entre 390.000.000 e 450.000.000 dólares americanos. Embora não
tenha sido a infeção mais dispendiosa, a IU associada a CV foi a mais
frequente.
As consequências da IU associada
ao CV são várias. Entre elas:
• Desconforto do doente
• Aumento do tempo de
internamento
• Aumento do consumo de
antibióticos
• Aumento de infeções secundárias
• Aumento das horas necessárias
para cuidados ao doente
• Aumento de vigilância e
acompanhamento médico
• Aumento de exames
complementares de diagnóstico
Os fatores de risco para
desenvolvimento de IU associada a CV são (os fatores passíveis de modificação
estão sinalizados com *):
• Cateterismo vesical, mesmo que
intermitente*
• Cateterismo prolongado*
• Idade avançada
• Sexo feminino
• Admissão pela urgência
• Défice imunitário
• Descontinuidade do sistema de
drenagem*
• Incontinência
• Manipulação inadequada*
• Histórico de procedimentos
cirúrgicos às vias urinárias
Acredita-se que entre 17% a 69%
das IU associadas a CV podem ser prevenidas com o cumprimento de recomendações
de controlo de infeção.
Embora existem diferentes
culturas nos hospitais, no que respeita a quem inicia o processo para a
cateterização vesical, o que importa é que a cateterização deve ser evitada a
todo o custo e só em situações bem definidas é que deve ser realizada.
As indicações para cateterização
são:
• Doentes com impossibilidade de
micção espontânea
• Doentes graves, em unidades de
cuidados intensivos
• Doentes paliativos, com
consentimento do doente
• Retenção urinária não resolvida
com outras intervenções
• Necessidade de manter o doente
imobilizado, por trauma ou cirurgia
• Doentes hemodinamicamente
instáveis, com necessidade de monitorização de débito urinário
• Durante cirurgias com anestesia
geral
• Pós-operatório, pelo menor
tempo possível, com o tempo máximo recomendado de 24 horas, excepto em
cirurgias urológicas específicas
• Tratamento de úlceras de
pressão de categoria ≥ 3, em mulheres, com cicatrização comprometida pelo
contacto com a urina
• Tratamento de úlceras de
pressão de categoria ≥ 3, em homens, com cicatrização comprometida pelo
contacto com a urina, em que o dispositivo urinário masculino não se tenha
revelado eficaz
As alternativas ao cateterismo
vesical são:
• Estimular a micção espontânea
através da emissão de água corrente
• Aplicar bolsa de água morna na
região supra púbica
• Utilizar fraldas, auxiliar e
supervisionar idas ao WC
• No sexo masculino, utilizar
dispositivos urinários não invasivos
A bibliografia recomenda
protocolos onde conste, de forma clara, as situações em que se deve realizar o
cateterismo, quem faz o cateterismo, quem verifica diariamente a necessidade de
manter o cateterismo, quem faz a manutenção do CV e quem faz os registos.
A Direção-Geral da Saúde (DGS)
emanou, em 2015, uma norma intitulada “Feixe de Intervenções de Prevenção de
Infeção Urinária Associada a Cateter Vesical”. Esta norma foi atualizada em
2017, sendo que a atualização foi a substituição do termo “doente” para o termo
“pessoa”.
Esta norma vai ao encontro das
evidências publicadas acerca da temática.
Os feixes de intervenção são:
• Evitar o cateterismo vesical e,
quando impossível, documentar no processo clínico a razão da necessidade de
cateterismo vesical
• Verificar diariamente a
necessidade de manter o CV e documentar no processo clínico a razão para manter
o CV. Caso não seja necessário o CV proceder e documentar a retirada do CV
• Cumprir técnica assética na
introdução na técnica de cateterismo vesical e de conexão do sistema de
drenagem
• Cumprir técnica limpa
(nomeadamente higienização das mãos, uso de luvas e avental) no despejo do saco
coletor
• Manter o CV seguro, sempre com
o saco coletor abaixo do nível da bexiga
• Realizar diariamente a higiene
do meato urinário
O cumprimento do desta norma é do
tipo “tudo ou nada”. Ou seja, ou se cumpre tudo (desde que aplicável) e tem-se
100% de conformidade ou basta ter um item “não conforme” para que a
conformidade seja 0%.
Os grupos coordenadores locais do
programa de prevenção e controlo de infeção e resistência aos antimicrobianos
(GCL-PPCIRA) das unidades hospitalares têm de enviar os dados das auditorias
para a DGS. O objetivo da DGS é que o cumprimento seja superior a 75%.
A taxa de 75% entra para o nível
de qualidade dos GCL-PPCIRA dos hospitais. Isto é, o cumprimento ou não da meta
altera o financiamento das unidades hospitalares. Por isso, a responsabilidade
de cumprir a norma por parte de toda a comunidade hospitalar sem atropelamento
de responsabilidade e competências.
Não esqueçamos que o não
cumprimento da norma é uma clara violação à segurança dos cuidados nas pessoas
a que prestamos cuidados de saúde.
Se é para bem do doente… temos de
cumprir, todos.
O Blog "Segurança do Doente" agradece ao Enfermeiro Filipe Santos a partilha deste trabalho na forma de artigo.
UM DIA SERÁS TU O DOENTE!
BIBLIOGRAFIA
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à Saúde. 2ª Edição. Obtido a 4 de novembro de 2017 em de www.anvisa.gov.br.
Almeida, G.; et al. (2016).
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diagnóstico in vitro para o seu controlo.
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9788527730495. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.
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Prevalência De Infeção Adquirida No Hospital E Do Uso De Antimicrobianos Nos
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Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos em
Números – 2015.
Direção-Geral da Saúde (2017).
Norma 019/2015 - “Feixe de Intervenções” de Prevenção de Infeção Urinária
Associada a Cateter Vesical. Obtido a 4 de novembro de 2017 em www.dgs.pt.
Olá
ResponderEliminarNúmeros que devem fazer pensar....
Cumprs
Augusto
Olá! Realmente dados que tem de ser divulgados para alertar as pessoas.
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