Cada morte é uma tragédia.
A devastação que atinge as famílias, entes
queridos e os profissionais de saúde que cuidaram deles, pode durar a vida
inteira. Dezenas de milhares de pessoas nas circunstâncias mais extremas são
levadas aos hospitais todos os dias para atendimento médico urgente, seja para
tratar um ataque cardíaco ou acidente vascular cerebral, uma lesão traumática
causada por um acidente ou a progressão de uma doença fatal – é inevitável que
alguns não consigam resistir.
O que mais surpreende a maioria das pessoas é
que na verdade são as mortes causadas por erros médicos evitáveis que ocupa o 3º
lugar como a maior causa de morte neste país (Estados Unidos América). São mais
de 200.000 pessoas por ano que entram num hospital para receber tratamento devido
a um problema que normalmente não seria fatal e que morre devido a um erro que
poderia ter sido evitado se os procedimentos adequados de segurança do doente
estivessem em vigor. Isto nem sequer leva em linha de conta os milhares que são
prejudicados e sobrevivem com sequelas com as quais vão ter de viver para o resto
das suas vidas.
Lembro-me de participar na Conferência “World
Patient Safety Science & Technology” em 2013 e o comentário mais comum dos
participantes é o quanto eles foram inspirados a agir depois de ouvirem as histórias
reais de famílias que perderam um familiar querido devido a um erro médico
evitável.
Os doentes e as suas famílias entrelaçaram-se
em todas as partes da conferência, e até tiveram um lugar como membros do
painel para levar a voz do doente ao centro da conversa.
Cada sessão foi aberta com um pequeno vídeo
que contava a história de um doente que foi significativamente prejudicado por
um ou mais erros médicos. Se o doente morreu, muitas vezes era um membro da
família que descrevia no vídeo o impacto pessoal de perder um familiar querido
dessa forma. Depois da apresentação de cada vídeo, dependendo do tópico em
questão, especialistas em segurança do doente e defensores do doente eram trazidos
para explicar as fraquezas no processo de cuidado ou sistema que levaram ao
dano ou morte do doente e o que poderia ser feito para evitar que isso voltasse
a acontecer no futuro.
É importante realçar que esses vídeos não
apresentam apenas doentes idosos ou pessoas com a sua saúde muito comprometidas
e que são particularmente vulneráveis a um "acidente médico" fatal
durante a prestação de cuidados. Uma história notável compartilha a vida de
Alicia Cole - uma jovem e saudável actriz de Hollywood, que fez o que deveria
ser uma cirurgia de rotina a miomas. Ela acabou quase por morrer de várias infecções do local cirúrgico adquiridas no hospital, o que exigiu um gasto adicional de 2
milhões de dólares em cirurgias, tratamentos e fisioterapia, alterando permanentemente
sua vida pessoal e a sua carreira. Outra história contava a morte trágica de
Leah, de 11 anos de idade. A sua mãe, Lenore Alexander, viu como ela foi
submetida a uma cirurgia e, mais tarde, Leah foi encontrada "morta na
cama" porque a sua respiração não estava a ser monitorizada depois de
receber fortes analgésicos opiáceos após a cirurgia.
Nos cuidados de saúde, os profissionais de
saúde são motivados por duas coisas: as suas emoções e dados concretos (isto é,
informações baseadas em evidências). Estas histórias tocam nas duas áreas. Elas
mostram como o fracasso em fazer a coisa certa prejudica as pessoas - uma pessoa
real com uma rede de pessoas reais que as amam e dependem delas. As histórias
motivam ainda mais a equipa, ajudando-as a entender o "porquê" dos
novos processos implementados para proteger os doentes.
Como outros, saí da conferência determinado a
criar uma cultura de segurança e um plano de acção suficientemente forte para
superar os inevitáveis obstáculos que podemos encontrar.
O Tri-City
Medical Center, em San Diego, Califórnia, decidiu começar os seus esforços
trazendo Alicia Cole, uma das pessoas que falou na conferência, para falar com
a equipa do hospital. Também foi apresentada a história de Leah. Numa sala de
100 pessoas, não havia ninguém com os olhos secos. Estas histórias abalaram literalmente
todos os presentes. A equipa do Tri-City
Patient Safety começou então a trabalhar para manter o ritmo e criar uma
mudança cultural completa.
Eles fizeram um compromisso público para alcançar
“zero” incidentes, estabelecer novos processos, reunir equipas, oferecer cursos
de segurança do doente e aulas educacionais. Eles garantiram que as ideias de
segurança do doente seriam encorajadas e apoiadas e que ninguém teria medo de
se manifestar sobre as falhas e os quase incidentes. Eles até afixaram cartazes
que pediam aos doentes que fizessem perguntas e se tornassem parte de sua própria
equipa de cuidados de saúde.
A unidade de cuidados intensivos neonatal (UCIN)
da Tri-City comemorou mais de seis anos consecutivos, sem infecção nosocomial da
corrente sanguínea. A equipa de prevenção de infecção da UCIN tem partilhado a
forma como eles alcançaram isso com clínicos em todo o mundo, para que outras
instituições possam ser livres de infecção nosocomial da corrente sanguínea nos
próximos anos.
Eles também viram uma tremenda redução no
numero de quedas. Eles descobriram uma maneira de reduzir a variabilidade. Eles
colocaram procedimentos em prática para impedir que ninguém quebrasse os procedimentos
de segurança do doente e criaram um sistema focado no que é melhor para o doente.
A participação era obrigatória, não opcional. Eles tornaram-se um exemplo de
como o “zero” é possível.
Estes exemplos podem servir como um modelo
para os profissionais que procuram onde começar e uma maneira de motivar os
colegas a implementar processos de segurança do doente na sua instituição/serviço
e a comprometerem-se com o objectivo “zero mortes evitáveis”.
Partilhar histórias de doentes pode aliciar
colegas de trabalho de uma maneira que não é possível através do simples
fornecimento de dados. As histórias transmitem a todos um verdadeiro sentido de
propósito e transmitem uma maior energia aos seus esforços de segurança do doente
e aprofundam a sua compreensão da importância dos procedimentos de segurança do
doente que se encontram em vigor. Isto vai ajudá-los a trabalhar para impedir
que estas tragédias evitáveis aconteçam sob a sua vigilância.
Como seres humanos, às vezes podemos ser
realmente teimosos relativamente à mudança. Mas na saúde há vidas preciosas em
risco, então a única coisa que não pode mudar é o juramento de Hipócrates -
primeiro, não causar dano - uma cultura centrada na segurança do doente.
O melhor remédio é a inovação. Mas os profissionais
de saúde são treinados para fazer as coisas de uma determinada maneira, e
muitas vezes é difícil fazê-los mudar a sua prática.
A mudança exige um esforço constante,
portanto, ao apresentar estas histórias de tragédia e perda dos doentes, elas
ajudam os profissionais a superar a apatia sistémica e a resistência à mudança.
Eles começam a perceber que a menos que as coisas mudem, a próxima estatística
pode incluir o seu filho, pai ou ente querido.
Texto da
autoria de Kevin McQueen, Director
of Respiratory Care & Sleep Diagnostics at the University of Colorado
Health in Colorado Springs (Previously Director of Patient Safety at Tri-City
Medical Center); Março de 2019.
Traduzido e adaptado por
Fernando Barroso
Fernando Barroso
UM DIA SERÁS TU O DOENTE!
#segurancadodoente
Olá
ResponderEliminarDá que pensar...de facto.
Creio que em Portugal, ainda estamos muito longe de assumir o erro, a falha que originou um evento trágico no doente.A culpa morre solteira! Da minha experiência, começamos agora a caminhar para uma Cultura de Segurança....mas o caminho é longo....e com obstáculos. Agitar as mentes dos futuros profissionais nas diferentes Áreas da Saúde é uma metodologia que creio eu, poderá vir a dar resultados!
Cumprs
Augusto