Aquilo que era sólido e conhecido deixou de ser, e de repente, todos na área da saúde fomos chamados a fazer mais, a ser mais. Há muitos que chegaram a chamar-nos heróis.
Herói - Eu não quero
esse titulo.
Aquilo que fiz resultou de todas as minhas experiências anteriores
e da minha personalidade:
Lidar com o medo de algo que era desconhecido.
Reorganizar o Serviço quase diariamente.
Trabalhar com uma torrente de informação de hora a hora.
Ver sair metade da equipa para outros Serviços sem saber
quando regressariam.
Reorganizar o restante da equipa para o que ficou para fazer
e reinventar novas formas de fazer aquilo que não era hábito.
Não fiz nada sozinho.
Não seria capaz.
Foi a minha equipa, os meus colegas Enfermeiros e Enfermeiras, os Assistentes Operacionais e Assistentes Técnicos, os Médicos e Técnicos que em conjunto fizeram tanto.
Reorganizamos uma Morgue
e oferecemos segurança a todos os seus atores, impedindo que fechasse.
Ajudamos a gerir um fluxo constante de pedidos de Equipamentos de Proteção Individual,
muitas vezes carregados do medo do desconhecido e da incerteza.
Lidamos com a crítica
infundada, baseada no puro desconhecimento e na maldade.
Lidámos com os “peritos
de bancada”, quando há anos travamos uma batalha pelo conhecimento em
Controlo de Infecção que ninguém queria ouvir.
Não sou nenhum herói.
Estou absolutamente farto e cansado das exigências fundamentadas apenas na “categoria profissional” ou na recomendação de uma qualquer sociedade cujo histórico na elaboração de recomendações práticas com base nos princípios das Precauções Básicas e nas Precauções Específicas em Controlo de Infecção era, até agora, inexistente.
Estou farto da arrogância e de muitos acharem que agora tudo é justificado, ou por outro lado, que já não têm que justificar nada.
Estou, acima de tudo, farto da falta de educação e da falta
de civismo, características de uma sociedade avançada. Afinal não avançamos nada!
E no meio de tudo
isto, o Doente.
O Doente que tem medo e não quer vir ter connosco.
O Doente que foi impedido de vir porque lhe desmarcaram tudo
(muito além do razoável).
O Doente que agora querem que regresse, ultrapassando algumas
práticas de segurança se assim for conveniente.
Nunca como agora, a Segurança
do Doente e os seus princípios fizeram tanto sentido.
Desculpa-me este desabafo. Mas se não falar contigo, falo com quem?