domingo, 30 de agosto de 2020

A Gestão do Coronavírus Representa o maior Fracasso das Políticas Científicas da nossa geração | #SD394


O editor da prestigiada revista científicaThe Lancet” (Richard Horton) contribui com a sua visão crítica sobre a gestão da epidemia.

Ele afirma que "Nesta ocasião, os especialistas e cientistas deram como certo alguns fatos que mais tarde se mostraram não verdadeiros"

Nós sabíamos que isto iria acontecer.


Em 1994, Laurie Garrett publicou um livro clarividente, um aviso. “The Coming Plague” (A próxima praga). A sua conclusão foi: "Enquanto a raça humana luta entre si, o jogo fica do lado dos micróbios, que ganham terreno. Eles são os nossos predadores e vencerão se nós, Homo sapiens, não aprendermos a viver numa aldeia global que deixe poucas oportunidades para os micróbios."

 Se você acha que esta forma de se expressar é hiperbólica, considere uma análise mais sóbria realizada pelo Instituto de Medicina dos Estados Unidos em 2004. As lições retiradas do surto de Sars de 2003 foram avaliadas citando Goethe: “Saber não é suficiente; devemos aplicar. Querer não é suficiente, devemos agir.” Esta análise concluía ainda que "a contenção rápida da Sars é um sucesso de saúde pública, mas também um aviso ... se a Sars acontecer novamente ... os sistemas de saúde em todo o mundo estarão sob extrema pressão ... a vigilância contínua é de vital importância".

O mundo ignorou os avisos.

Ian Boyd, que foi assessor científico do governo britânico entre 2012 e 2019, lembrou recentemente que “uma simulação realizada para um cenário de uma pandemia de gripe em que cerca de 200.000 pessoas morriam, deixou-me em frangalhos”.

- Isso ajudou algum governo a agir?

Aprendemos o que funcionaria se tivéssemos que aplicá-lo, mas as lições aprendidas não foram necessariamente colocadas em prática.”


As políticas de austeridade colocaram fim à ambição e ao compromisso dos governos de proteger os seus cidadãos. O objectivo político foi o de reduzir o papel do Estado, que passou a ter menor capacidade de intervenção: o resultado foi deixar o país gravemente ferido. Quaisquer que sejam as razões pelas quais as lições do Sars e as simulações de gripe não foram aplicadas, o fato é que –resumiu Ian Boyd - "a nossa preparação era deficiente".


A resposta global ao Sars-CoV-2 é o maior fracasso da política científica de nossa geração. Os sinais estavam lá. Hendraem 1994, Nipah em1998, Sars em 2003, Mers em 2012 e Ebola em 2014; todas estas grandes epidemias que afectaram os humanos foram causadas por vírus que nascem em animais e se propagam para os humanos. O Covid-19 é causado por uma nova variante do vírus que causou a Sars.


Ninguém está surpreendido por as bandeiras vermelhas terem passado despercebidas. Poucos de nós temos a experiência de uma pandemia e todos somos parcialmente culpados por termos ignorado informações que não reflectem a nossa própria experiência do mundo. As catástrofes revelam a fraqueza da memória humana. Como se pode planear perante um evento aleatório e estranho, especialmente quando o sacrifício exigido é tão intenso?


Como argumenta a sismóloga Lucy Jones no seu livro de 2018, The Big Ones, "Os riscos naturais são inevitáveis, mas o desastre não".


O primeiro dever de um governo é proteger seus cidadãos. 

Os riscos de uma pandemia podem ser medidos e quantificados. Como Garrett e o Instituto de Medicina demonstraram, os perigos de uma nova epidemia eram conhecidos e compreendidos desde o surgimento do HIV na década de 1980. Desde então, pelo menos 75 milhões de pessoas foram infectadas com esse vírus, e morreram 32 milhões de pessoas.

Pode não se ter espalhado pelo planeta à velocidade do Sars-CoV-2, mas a sua longa sombra deveria ter colocado os governos em alerta para que fossem tomadas as medidas necessárias em face do surto de um novo vírus.


Durante uma crise, é compreensível que tanto os cidadãos quanto os políticos se tornem especialistas. Mas, nesta ocasião, os especialistas, os cientistas que criaram modelos e simularam futuros possíveis, assumiram como certas algumas realidades que mais tarde se mostraram não verdadeiras.

O Reino Unido presumiu que esta pandemia se pareceria muito com a gripe. O vírus da gripe não é benigno, o número de pessoas que morrem de gripe a cada ano no Reino Unido varia muito, com um pico recente de 28.330 mortes em 2014-2015, mas a gripe não é o Covid-19.

 

Em contraste, a China foi marcada pela sua experiência com a Sars.

Quando o governo chinês percebeu que existia um novo vírus em circulação, as autoridades chinesas não recomendaram lavar as mãos, tossir mais educadamente ou ter cuidado onde os lenços de papel eram descartados. Eles colocaram cidades inteiras em quarentena e fecharam a economia. Como me disse um ex-secretário de saúde inglês, os nossos cientistas sofreram um ataque de "viés cognitivo" em face do risco médio representado pela gripe.

 

Talvez por isso, o comité mais importante do governo inglês nesta crise, o recém-criado grupo consultivo de ameaças de vírus respiratórios (Nrevtag), chegou a uma conclusão a 21 de Fevereiro de 2020, três semanas após a Organização Mundial de Saúde ter declarado esta uma crise de emergência de saúde pública de âmbito internacional: não se opôs à avaliação de risco "moderado" para a saúde pública da população do Reino Unido.

Eles cometeram um grande erro.

O fracasso em não elevar o nível de risco resultou num atraso mortal na preparação do sistema de saúde para a onda de infecções que estava a chegar.


É doloroso reler os apelos desesperados por ajuda do pessoal da linha de frente do sistema de saúde público do Reino Unido;

“O esgotamento da equipe de enfermagem nunca foi tão alto e muitas de nossas heróicas enfermeiras estão à beira de um colapso nervoso.”

“É doentio ver isto acontecer e que, de alguma forma, o país acredite que é correto deixar alguns trabalhadores adoecerem, serem ventilados e morrerem”.

“Sinto-me como um soldado que vai para a guerra desarmado.”

“É um suicídio.”

“Estou farto de ser chamado de herói porque, se tivesse escolha, não viria trabalhar.”


A disponibilidade e o acesso a equipamentos de protecção individual falharam terrivelmente para muitos profissionais de saúde, médicos e enfermeiras. Alguns gestores hospitalares fizeram o planeamento correto. Mas muitos não foram capazes de fornecer o equipamento de protecção necessário às suas equipas na linha de frente.


Em cada conferência de imprensa, o porta-voz do governo inglês inclui a mesma frase: "Temos seguido os conselhos médicos e científicos".

A frase é boa. Mas é apenas parcialmente verdade.

Os políticos sabiam que o sistema de saúde não estava preparado. Eles sabiam que não havia capacidade suficiente para prestar cuidados intensivos perante um aumento de casos e necessidades como os actuais.

Um médico escreveu-me a dizer o seguinte: "Parece que ninguém quer aprender com a tragédia humana da Itália, China, Espanha ... É muito triste ... Os médicos e cientistas não conseguiram aprender uns com os outros."


Estamos a viver no 'Antropoceno', uma era em que a actividade humana impõe a sua influência sobre o meio ambiente.

O conceito de antropoceno evoca uma certa ideia da omnipotência humana. Mas o Covid-19 revela a surpreendente fragilidade de nossas sociedades. Ele expôs a nossa incapacidade de cooperar, coordenar e agir em conjunto. Talvez não sejamos capazes de controlar o reino do natural de forma alguma. Podemos não ter a capacidade de controle que antes pensávamos ter.


Se o Covid-19 for capaz de imbuir os seres humanos com algum grau de humildade, é possível que, afinal, acabemos por mostrando alguma recetividade às lições desta pandemia mortal. Ou talvez voltemos a mergulhar na nossa cultura de complacência e excepcionalidade até a próxima praga chegar. O que acontecerá certamente.

E a história recente mostra-nos isso, e mais cedo do que tarde.


Fernando Barroso

UM DIA SERÁS TU O DOENTE!
#segurancadodoente

sábado, 22 de agosto de 2020

Como comemorar o Dia Internacional da Segurança do Doente em 2020 | #SD393

A OMS publicou no seu site (https://www.who.int/campaigns/world-patient-safety-day/2020/campaign-essentials ) alguns aspectos essenciais a considerar para a Campanha Do Dia Mundial Da Segurança Do Doente Para 2020.

O tema da campanha em 2020 é: 

Segurança do Profissional de Saúde: Uma Prioridade para a Segurança do Doente

A OMS vai assinalar o Dia Mundial da Segurança do Doente a 17 de Setembro de 2020 e lançará uma campanha global para enfatizar a importância da SEGURANÇA DO PROFISSIONAL DE SAÚDE como uma prioridade para a segurança do doente.

A OMS exorta todos os seus parceiros e países a desenvolverem campanhas nacionais e locais com base nesta campanha global, a apoiar e assinalar este dia em todo o mundo para torná-lo um sucesso e a estabelecer um compromisso para que se tomem medidas urgentes e sustentáveis para reconhecer a segurança do profissional de saúde como um pré-requisito para a segurança do doente.

A campanha visa mobilizar doentes, profissionais de saúde, líderes de saúde, legisladores, académicos, investigadores, redes profissionais, o sector privado e a indústria da saúde para falar pela segurança do profissional de saúde para melhorar a segurança dos cuidados de saúde e reduzir o risco de danos, tanto para os profissionais de saúde quanto para os doentes.

Objectivos do Dia Mundial da Segurança do Doente 2020:

Aumentar a consciência global sobre a importância da segurança do profissional de saúde e as suas interligações com a segurança do doente

Envolver as várias partes interessadas e adoptar estratégias multimodais para melhorar a segurança dos profissionais de saúde e dos doentes

Implementar acções urgentes e sustentáveis por todas as partes interessadas que reconheçam e invistam na segurança dos profissionais da saúde, como prioridade para a segurança do doente

Fornecer o devido reconhecimento pela dedicação e trabalho árduo dos profissionais de saúde, particularmente no momento de actual luta contra o COVID-19

A OMS faz ainda as seguintes sugestões a diferentes actores

Profissionais de Saúde

A sua própria segurança começa com você: Cuide da sua saúde física e psicológica

Proteja a sua segurança e a das pessoas de quem cuida

Certifique-se de que você tem formação e está ciente da prevenção e controlo de infecções e que implementa as medidas adequadas

Contribua de forma proactiva para construir e fortalecer uma cultura de segurança no trabalho

Aperfeiçoe os seus conhecimentos, habilidades e competências sobre segurança no trabalho

Conheça os seus direitos e responsabilidades e solicite um ambiente de trabalho seguro

Relate sempre os riscos de segurança, violência, assédio ou ameaças às autoridades

Promova e implemente práticas de segurança inovadoras na sua organização

 

Legisladores, Reguladores, Parlamentares, Seguradoras e Pessoas Jurídicas, Organizações de Avaliação Externa (Sectores da Saúde, Trabalho, Meio Ambiente e Segurança)

Formular, actualizar e implementar políticas e legislação para garantir a segurança dos profissionais de saúde e doentes

Desenvolver e promover legislação para a protecção dos direitos dos profissionais de saúde e direitos dos doentes

Garantir equipamentos de protecção individual adequados e suficientes e materiais para a higiene das mãos, bem como a existência de um ambiente de trabalho seguro e que apoie o profissional e existência de recursos suficientes para melhorar a segurança das condições de trabalho em ambientes de cuidados de saúde

Aumentar os níveis de pessoal e criar os meios para capacitar os profissionais de saúde: isso irá prevenir infecções, melhorar a qualidade do atendimento e garantir uma cultura de segurança do doente

Desenvolver programas de segurança em parceria com associações profissionais, profissionais de saúde, organizações de doentes, organizações da sociedade civil, comunidades e sindicatos

Implementar princípios éticos para gestores e legisladores que incluem o dever de fornecer cuidados de saúde seguros e o dever de proteger a segurança dos profissionais da saúde e dos doentes

Promulgar legislação e regulamentos que proíbem a violência contra profissionais de saúde e doentes

 

Líderes, Administradores e Gestores de Saúde

Crie uma cultura de segurança aberta, equitativa e transparente para os profissionais de saúde e doentes, que permita relatar incidentes de segurança em tempo útil

Crie um ambiente de trabalho favorável e seguro e implemente práticas de segurança inovadoras com base nos factores humanos e numa abordagem ergonómica

Capacite os profissionais de saúde a fornecer cuidados seguros

Garanta formação e orientação adequados na prevenção e controlo de infecções

Forneça recursos suficientes para melhorar a segurança das condições de trabalho nas instituições de saúde

Envolva os profissionais de saúde, doentes e suas famílias em práticas de melhoria contínua da segurança

Priorize o investimento em saúde e segurança ocupacional para melhorar a segurança do doente

Implemente actividades de promoção da saúde mental para aliviar o stress no local de trabalho

Garanta que mecanismos de recompensa e motivação dos profissionais de saúde estejam em vigor e sejam usados de forma adequada

 

Instituições académicas e de investigação

Produzir evidências na área da segurança do trabalho e segurança do doente, incluindo a prevenção e controlo de infecções, para informar a política, regulamentos e padrões de prática

Incorporar a segurança do trabalho, a segurança do doente e a prevenção e controlo de infecções nos currículos educacionais e no desenvolvimento profissional contínuo, com foco em factores humanos e princípios de design ergonómico

Desenvolver módulos de e-learning para fornecer formação apropriada para profissionais de saúde e doentes

Priorizar a pesquisa sobre segurança nos cuidados de saúde primários e em ambientes com recursos baixos ou médios.

Realizar pesquisas para identificar estratégias para apoiar o bem-estar mental e emocional dos profissionais de saúde

Desenvolver indicadores para medir o progresso e melhorias na segurança do profissional de saúde e segurança do doente, incluindo a prevenção e controlo de infecções

 

Doentes, Famílias, Cuidadores, Comunidades e Público em Geral

Forneça informações precisas sobre o seu estado de saúde e historial médico

Um cuidado mais seguro para você começa consigo: esteja atento e exija práticas adequadas de prevenção e controlo de infecções

Aperfeiçoe o seu conhecimento sobre segurança em cuidados de saúde

Discuta questões de segurança com o profissional de saúde que lhe presta cuidados

Seja um defensor da segurança e protecção dos profissionais de saúde nas instituições de saúde e na comunidade

Envolva-se activamente no seu próprio cuidado

É bom fazer perguntas: cuidados de saúde seguros começam com uma boa comunicação

 

Associações Profissionais, Organizações Internacionais, Parceiros de Desenvolvimento, Sindicatos

Trabalhar com os governos para desenvolver e promover legislação para a protecção dos direitos dos profissionais de saúde e dos doentes

Trabalhar com os governos para desenvolver e promover legislação para a implementação de programas de prevenção e controlo de infecções, incluindo o acesso a equipamentos de protecção individual adequados e suficientes

Priorizar e investir na segurança do profissional de saúde e segurança do doente

Promover e proteger a segurança dos profissionais de saúde por meio de capacitação, defesa e assistência na implementação de padrões de segurança

Denunciar condições de trabalho inseguras e a violência contra os profissionais de saúde

Apoiar os profissionais de saúde no seu direito de ter um ambiente de trabalho seguro

Monitorizar sistematicamente o cumprimento das regulamentações relacionadas com a saúde e segurança dos profissionais de saúde

 

Associações de Doentes e da Sociedade Civil

Envolva diferentes partes interessadas e defenda mudanças nos sistemas, práticas e políticas para alcançar cuidados de saúde mais seguros

Promova a voz dos doentes na sua própria segurança e a segurança dos profissionais de saúde

Um cuidado mais seguro para você, com você: fique atento e exija a implementação de práticas adequadas de prevenção e controlo de infecção

Defenda a segurança nos cuidados de saúde, incluindo condições de trabalho seguras para todos os profissionais de saúde e em todas as instituições de cuidados de saúde, como requisito mínimo

Defenda a prevenção e o controlo de infecções, incluindo a existência de equipamento de protecção individual para os profissionais de saúde, bem como a higiene das mãos

Mobilize a comunidade local para fornecer apoio aos profissionais de saúde da comunidade e proteger a sua segurança

Defenda mais investigação na área da segurança em saúde

 

Indústria/Sector Privado (p. Ex: Indústria Farmacêutica, Fabricantes de Dispositivos Médicos, Industria de Software)

Investir na inovação de intervenções económicas para melhorar a segurança de doentes e profissionais de saúde

Garantir a gestão contínua e regular da cadeia de abastecimento para evitar ruturas de stock de produtos de segurança

Garantir a gestão contínua e regular da cadeia de abastecimento de equipamentos de protecção individual e de solução de base alcoólica para a higiene das mãos

Desenhar dispositivos médicos em parceria com os profissionais de saúde e doentes com base em factores humanos e numa abordagem ergonómica, para garantir a segurança

Fornecer acesso a dados (p. ex: sobre o uso seguro de dispositivos médicos) para promover as intervenções de segurança


A OMS disponibiliza ainda uma página com sugestões e ideias sobre como podes planear a comemoração deste dia na tua instituição/localidade.

Fernando Barroso

UM DIA SERÁS TU O DOENTE!
#segurancadodoente