A rápida
transmissão do COVID-19 resultou numa pandemia internacional, com a taxa de
mortalidade acumulada prevista para aumentar ainda mais nos próximos meses. A
maioria das mortes até maio de 2020 tem sido altamente concentrada em
determinadas áreas geográficas, colocando uma tremenda pressão nos sistemas de
saúde locais e nas equipas de saúde.
Dar atenção à nossa condição humana no contexto mais amplo da segurança do doente pode aumentar a consciência sobre como as fraquezas humanas afectam os profissionais de saúde e as equipas ao ponto de poderem degradar a
segurança e a qualidade do atendimento e aumentar o risco para os doentes com
COVID-19 e para as equipas que cuidam deles.
Estas
fraquezas são exacerbadas por fadiga e esgotamento, falta de confiança da equipa,
falta de tempo, doenças e baixa segurança psicológica, cada uma das quais pode
resultar num desempenho reduzido e contribuir para falhas como diagnósticos incorrectos e eventos adversos.
É aqui que uma equipa forte e a consciência sobre os factores humanos que nos condicionam pode fazer a diferença.
OS PROBLEMAS DE SEGURANÇA
Fadiga e burnout
A fadiga
e a exaustão entre os profissionais de saúde e a equipa são predominantes
durante o curso normal da prestação de cuidados, e ainda mais em tempos de
crise em que a sobrecarga cognitiva e emocional é exacerbada por condições
ambientais e situacionais críticas. Estratégias para lidar com o cansaço e a
exaustão, cuja implementação requer liderança e adesão organizacional, surgiram
de países atingidos desde o início pela pandemia do COVID-19. Estas estratégias
concentram-se em melhorar as condições do local de trabalho e incentivar a
procura de ajuda.
• um
estudo com profissionais de saúde da província de Hunan, na China, descobriu
que directrizes explícitas de controle de infecções baseadas em evidências,
equipamentos específicos e instalações especializadas para o tratamento do
COVID 19 ajudaram a mitigar o desgaste psicológico.
• as
recomendações baseadas na experiência italiana do COVID-19 incentivam a remoção
do estigma associado à procura de ajuda,
estabelecendo infraestruturas e oportunidades prontamente disponíveis para o
apoio de colegas durante e após a crise.
Ausência de confiança entre os elementos da equipa de
atendimento
O fluxo
extraordinário de profissionais de saúde reunidos para reforçar as equipas de
atendimento nos “pontos quentes” do COVID-19 exige a formação rápida de equipas
e o estabelecimento de confiança nos líderes das equipas, etapas essenciais
para garantir práticas seguras. Os processos para apoiar o desenvolvimento
da equipa, que já devem estar incorporados nos procedimentos gerais da
assistência na saúde, incluem:
• pequenas reuniões iniciais (Huddles): estas pequenas reuniões de
equipa operacionalizam a partilha direccionada de informações para actualizar os novos
membros da equipa sobre a situação, fornecer ajuda com o esclarecimento de
funções e as atribuições de tarefas clínicas.
• reuniões finais (De-briefings): é um processo através do qual os novos membros
da equipa são convidados a compartilhar as suas ideias depois que um episódio
de assistência; esses resumos oferecem oportunidades para aprender com as suas
experiências e destacam as oportunidades de melhoria.
• listas de verificação (Checklist): os novos membros da equipa devem ser incentivados a
seguir processos e a desafiar quaisquer lacunas observadas nesses processos,
sem a necessidade de levar em consideração hierarquias e convenções com as
quais eles não estão familiarizados.
Falta de tempo adequado para o doente e para o
autocuidado
A
natureza sem precedentes da prestação de cuidados no âmbito do COVID-19 torna
as equipas que prestam cuidados directos vulneráveis às pressões de produção, o
que pode afectar negativamente a tomada de decisões, a precisão das tarefas, o
civismo, a atenção plena, a consciência situacional e a troca de informações – ou
seja, todos os comportamentos e actividades essenciais para a segurança do doente.
Embora o ritmo do local de trabalho nem sempre esteja sob o controle da equipa,
o reconhecimento colectivo do impacto negativo de demandas substanciais,
constantes e implacáveis sobre os indivíduos exige maior atenção à saúde da equipa.
Como é lógico garantir que os membros da equipa tenham pausas, alimentos e
hidratação quando necessário pode ajudar a reduzir o potencial de erro em
circunstâncias stressantes.
Falta de segurança psicológica
Em
resposta à pandemia do COVID-19, não só as equipas se reúnem com pouco ou
nenhum conhecimento umas das outras em comparação com as equipas clínicas
estabelecidas, mas muitas dessas novas equipas incluem profissionais de saúde cujas
habilidades podem precisar de actualização; as habilidades e competências colectivas dessas novas equipas de atendimento, das quais dependem muitos aspectos das práticas seguras da prestação de cuidados de saúde, podem ser menos do que
ideais, acrescentando stressores emocionais, físicos e morais aos membros da equipa
que já estão sob condições de stress elevado. A ansiedade associada à prestação
de cuidados numa situação incerta também pode reduzir o desempenho do profissional.
Por causa do COVID-19, os profissionais de saúde e restante pessoal estão actualmente a trabalhar em ambientes onde está a ocorrer uma perda de vidas sem
precedentes; essa grave situação cria uma tensão psicológica individual e colectiva difícil e um sofrimento moral. Além disso, os profissionais podem encontrar-se
a trabalhar em situações clínicas que consideram desconfortáveis, o que diminui
a confiança na sua produção, a confiança na equipa e no desempenho individual.
Os esforços para aumentar a segurança psicológica dos profissionais de saúde,
especialmente durante as pandemias, devem idealmente concentrar-se em:
• estabelecer uma cultura de segurança:
incentivar todos os indivíduos de uma equipa de cuidados a expressar
quaisquer preocupações que identifiquem como potencias ameaças à segurança da equipa
e/ou doentes é fundamental para aumentar o bem-estar psicológico dos
membros da equipa. Isso é mais difícil de conseguir durante os períodos de
rápida implantação da equipa em ambientes desconhecidos, porque eles não estão
familiarizados com as normas culturais, processos e hierarquia. Além disso, com
o estabelecimento de novas unidades ou hospitais inteiros para aumentar a
capacidade de resposta à pandemia do COVID-19, as demandas cognitivas, a fadiga
e o stress na prestação de cuidados podem tornar este um momento
particularmente desafiador para estabelecer ou melhorar a cultura de segurança.
• experiência das indústrias de alto risco:
as experiências obtidas noutras indústrias de alto risco, como a aviação, prospecção de petróleo em alto mar e energia nuclear nas quais ocorreram desastres em
grande escala, enfatizam o valor do pessoal que expõe as condições em tempo
real, evitando assim falhas catastróficas. Portanto, embora mais difícil de
alcançar durante uma pandemia, promover uma cultura na qual os membros da equipa
de cuidados sejam incentivados a expressar suas preocupações é um objectivo que vale a pena perseguir.
• suporte organizacional à segurança do
trabalhador: a escassez de protecções básicas, como equipamento de protecção individual (EPI), reduz a confiança dos trabalhadores na capacidade de uma
organização em mantê-los seguros ao prestar assistência em situações perigosas
e afecta adversamente o seu bem-estar físico e psicológico. Portanto, as
organizações de saúde devem fazer todo o possível para proporcionar um ambiente
de trabalho o mais seguro possível, o que inclui o fornecimento de EPI
adequados. A falta de EPI adequado pode contribuir para reduzir a confiança do profissional
e da comunidade nas organizações de saúde; para promover a segurança
psicológica, as organizações de saúde devem seguir as orientações emitidas pelas
entidades nacionais e manter os seus profissionais informados sobre os stocks locais
actuais de EPI e os esforços da organização para obter mais. Uma revisão
sistemática recente e meta-análise da literatura relacionada com equipas de
saúde que trabalham com doentes durante surtos infecciosos relataram que vários factores clínicos, de treino, experiência, psicológicos e relacionados com o
serviço (consistentes com os factores mencionados acima) podem aumentar o risco
de stress psicológico. Pausas adequadas, maior experiência, feedback
positivo, confiança nas medidas de controle de infecção e equipamento de protecção adequado demonstraram diminuir o risco de stress psicológico.
Estratégias para Melhorar a Segurança através da Engenharia dos Factores Humanos
A engenharia de factores humanos (HFE) pode
ajudar a abordar respostas e mitigar os riscos decorrentes dos desafios
discutidos acima. As abordagens de segurança que empregam HFE são cada vez mais
aplicadas nos ambientes de saúde para reduzir os possíveis impactos negativos
dos comportamentos individuais nos cuidados diários, seja de rotina ou durante uma
crise. A HFE pode ajudar a realinhar os fluxos de trabalho para aumentar a
confiança do trabalhador sob pressão, projectando processos para o proteger contra
as falhas de sistemas decorrentes de erro humano. Conforme vai ser descrito
abaixo, as estratégias para reduzir os erros humanos e que exigem
recursos relativamente mínimos para serem empregues durante a pandemia do
COVID-19 incluem, sinalização proeminente, revisão do fluxo de
trabalho para identificar pontos de falha, listas de verificação (checklist)
para colocar e retirar o EPI e simulações para testar processos.
• sinalização: para reduzir a ansiedade,
a ineficiência e as oportunidades de erro, deve ser usada uma sinalização de
destaque para as localizações dos equipamentos; lembretes sobre higiene das
mãos, uso de equipamentos de protecção individual e higiene e limpeza ambiental
para evitar a transmissão de microrganismos; identificação das áreas restritas
para tratamento do doente, espaços exclusivos para profissionais e saídas. Por
exemplo, quando os espaços precisam de ser reconfigurados e usados de
maneiras diferentes para mitigar o risco de exposição e infecção, a sinalética
pode ajudar a tranquilizar profissionais e doentes, minimizar as explicações
necessárias e alinhar as acções. Os factores humanos e considerações sobre o
fluxo de trabalho devem ser aplicados ao determinar o tamanho, a cor e fonte, a
terminologia e o local da colocação dos sinais.
• revisão e redesenho do fluxo de trabalho:
os pontos de falha potenciais devem ser identificados quando estão a ser desenvolvidos
fluxos de trabalho para novos processos, a fim de evitar proativamente oportunidades de erros que, de outra forma, poderiam ocorrer enquanto os que
seguem os processos estão sob pressão adicional, seja durante uma pandemia ou
durante a prática normal. Por exemplo, a metodologia de “avaliação do risco” e
outras ferramentas de análise de tarefas podem ser implantadas rapidamente para
avaliar a prontidão de uma área para uso seguro. Os resultados da análise podem
ser usados para desenvolver processos padronizados para triagem e
encaminhamento de doentes, testes de diagnóstico, admissões, tratamentos,
coordenação de cuidados e envolvimento do doente e da família.
• listas de verificação(Checklist): além
de serem úteis para a nova equipa (como mencionado acima), as listas de
verificação também podem ser extremamente úteis para garantir que as etapas de
segurança sejam executadas adequadamente, mesmo em situações particularmente stressantes,
como durante a pandemia do COVID-19. Muitas vezes, as listas de verificação são
fáceis de usar no contexto do atendimento, pois podem ser alinhadas e
sincronizadas com os fluxos de trabalho e outros processos existentes de
atendimento.
• simulações: há muito reconhecidas como
uma ferramenta de aprendizagem e aprimoramento em indústrias de alto risco, as
simulações podem preparar as equipas e as organizações com experiências que
podem ser usadas para optimizar a sua preparação para situações de crise,
obtidas num ambiente de baixo risco. O conhecimento colectivo criado por meio do
uso de simulações pode contribuir para novos métodos de treino, desenvolvimento
de protocolos, actividades de colocação e remoção de equipamentos de protecção individual, identificação de problemas na utilização das instalações e fluxos
de trabalho.
Este artigo
descreve os factores de stress relevantes para a resposta do sector de saúde à
pandemia de COVID-19 na perspectiva dos profissionais de saúde. Ele chama a
atenção para a pressão significativa a nível
pessoal com que a pandemia está a afectar os indivíduos que trabalham no
sistema de saúde. As estratégias destacadas neste documento baseiam-se em conceitos fundamentais de segurança do doente,
em vez de questões mais amplas (e também importantes) relacionadas com o
COVID-19, como a melhoria da qualidade, epidemiologia, cuidados clínicos, e protecção do pessoal. Os profissionais de saúde e as organizações de saúde já
estavam a aplicar essas estratégias antes do início da pandemia para reduzir as
ameaças aos cuidados seguros, mas a sua implementação é mais importante do que
nunca para manter os doentes e profissionais de saúde seguros na era do
COVID-19.
Caso queiras
saber mais, sugiro que faças o curso - A influência dos Factores Humanos na segurança do doente
Fernando Barroso
UM DIA SERÁS TU O DOENTE!
#segurancadodoente
Este é um artigo adaptado de Lorri Zipperer, membro da AHRQ PSNet team