sábado, 27 de junho de 2020

Como Marcar a Transição da Equipa para o pós-COVID | #SD389

Photo by Perry Grone on Unsplash


Eu sei que é no mínimo polémico falar em "pós-COVID", mas as nossas vidas tem de continuar e devemos o mais rapidamente possível aceitar o "novo normal".

Foi com base neste princípio que, no meu Serviço, realizámos uma reunião/formação de Equipa em que o tema foram os sentimentos e experiências vividas durante o período da pandemia.

Para contextualizar um pouco importa explicar que, de um momento para o outro, a equipa de enfermagem do meu Serviço foi dividida em 3 grupos:
  • As colegas que foram seleccionadas para irem reforçar outros serviços do Centro Hospitalar;
  • As colegas que ficaram no Serviço e asseguraram a continuidade da actividade do Serviço;
  • As colegas que estavam/ficaram ausentes por diversos motivos.
Não é fácil descrever os sentimentos que todos vivenciamos durante este período; Incerteza do que poderíamos esperar. Medo de que nos afectasse directamente ou à nossa família. Coragem e resiliência para fazer "o que tinha de ser feito"

Estes foram apenas alguns dos sentimentos que todos sentimos e com os quais tivemos de aprender a viver.

A nossa reunião foi realizada na primeira semana a seguir a um marco que tínhamos estabelecido em comum. Que todas as colegas que iam sair do Serviço voltassem ao nosso serviço novamente. Esta foi uma promessa cumprida e só assim poderíamos continuar em frente e reforçar o nosso sentimento de equipa e de pertença ao Serviço.

A reunião foi muito simples, mas carregada de significado e partilha. De forma sincera todos partilhámos os nossos sentimentos, experiências (boas e más) e as estratégias desenvolvidas de apoio mútuo.

Ao proporcionar este momento conseguimos estabelecer um marco. Passou a existir um "antes" e um "depois", num período muito difícil para todos.

É claro que todos percebemos que o COVID-19 não desapareceu, e que temos de desenvolver estratégias de prevenção interna que garantam a Segurança do Doente e a Segurança dos Profissionais, mas com esta experiência, conseguimos "arrumar" um período extremamente desafiante para todos, e ter esperança no futuro.

Obrigado Equipa. Vocês são todas fantásticas!
Vamos continuar.

Fernando Barroso

UM DIA SERÁS TU O DOENTE!
#segurancadodoente

quinta-feira, 11 de junho de 2020

COVID-19: Equipa e Fatores Humanos para melhorar a Segurança do Doente

A rápida transmissão do COVID-19 resultou numa pandemia internacional, com a taxa de mortalidade acumulada prevista para aumentar ainda mais nos próximos meses. A maioria das mortes até maio de 2020 tem sido altamente concentrada em determinadas áreas geográficas, colocando uma tremenda pressão nos sistemas de saúde locais e nas equipas de saúde.

Dar atenção à nossa condição humana no contexto mais amplo da segurança do doente pode aumentar a consciência sobre como as fraquezas humanas afectam os profissionais de saúde e as equipas ao ponto de poderem degradar a segurança e a qualidade do atendimento e aumentar o risco para os doentes com COVID-19 e para as equipas que cuidam deles.

Estas fraquezas são exacerbadas por fadiga e esgotamento, falta de confiança da equipa, falta de tempo, doenças e baixa segurança psicológica, cada uma das quais pode resultar num desempenho reduzido e contribuir para falhas como diagnósticos incorrectos e eventos adversos.

É aqui que uma equipa forte e a consciência sobre os factores humanos que nos condicionam pode fazer a diferença.

OS PROBLEMAS DE SEGURANÇA

Fadiga e burnout

A fadiga e a exaustão entre os profissionais de saúde e a equipa são predominantes durante o curso normal da prestação de cuidados, e ainda mais em tempos de crise em que a sobrecarga cognitiva e emocional é exacerbada por condições ambientais e situacionais críticas. Estratégias para lidar com o cansaço e a exaustão, cuja implementação requer liderança e adesão organizacional, surgiram de países atingidos desde o início pela pandemia do COVID-19. Estas estratégias concentram-se em melhorar as condições do local de trabalho e incentivar a procura de ajuda.

• um estudo com profissionais de saúde da província de Hunan, na China, descobriu que directrizes explícitas de controle de infecções baseadas em evidências, equipamentos específicos e instalações especializadas para o tratamento do COVID 19 ajudaram a mitigar o desgaste psicológico.

• as recomendações baseadas na experiência italiana do COVID-19 incentivam a remoção do estigma associado à procura de ajuda, estabelecendo infraestruturas e oportunidades prontamente disponíveis para o apoio de colegas durante e após a crise.

Ausência de confiança entre os elementos da equipa de atendimento

O fluxo extraordinário de profissionais de saúde reunidos para reforçar as equipas de atendimento nos “pontos quentes” do COVID-19 exige a formação rápida de equipas e o estabelecimento de confiança nos líderes das equipas, etapas essenciais para garantir práticas seguras. Os processos para apoiar o desenvolvimento da equipa, que já devem estar incorporados nos procedimentos gerais da assistência na saúde, incluem:

pequenas reuniões iniciais (Huddles): estas pequenas reuniões de equipa operacionalizam a partilha direccionada de informações para actualizar os novos membros da equipa sobre a situação, fornecer ajuda com o esclarecimento de funções e as atribuições de tarefas clínicas.

reuniões finais (De-briefings): é um processo através do qual os novos membros da equipa são convidados a compartilhar as suas ideias depois que um episódio de assistência; esses resumos oferecem oportunidades para aprender com as suas experiências e destacam as oportunidades de melhoria.

listas de verificação (Checklist): os novos membros da equipa devem ser incentivados a seguir processos e a desafiar quaisquer lacunas observadas nesses processos, sem a necessidade de levar em consideração hierarquias e convenções com as quais eles não estão familiarizados.

Falta de tempo adequado para o doente e para o autocuidado

A natureza sem precedentes da prestação de cuidados no âmbito do COVID-19 torna as equipas que prestam cuidados directos vulneráveis às pressões de produção, o que pode afectar negativamente a tomada de decisões, a precisão das tarefas, o civismo, a atenção plena, a consciência situacional e a troca de informações – ou seja, todos os comportamentos e actividades essenciais para a segurança do doente. Embora o ritmo do local de trabalho nem sempre esteja sob o controle da equipa, o reconhecimento colectivo do impacto negativo de demandas substanciais, constantes e implacáveis ​​sobre os indivíduos exige maior atenção à saúde da equipa. Como é lógico garantir que os membros da equipa tenham pausas, alimentos e hidratação quando necessário pode ajudar a reduzir o potencial de erro em circunstâncias stressantes.

Falta de segurança psicológica

Em resposta à pandemia do COVID-19, não só as equipas se reúnem com pouco ou nenhum conhecimento umas das outras em comparação com as equipas clínicas estabelecidas, mas muitas dessas novas equipas incluem profissionais de saúde cujas habilidades podem precisar de actualização; as habilidades e competências colectivas dessas novas equipas de atendimento, das quais dependem muitos aspectos das práticas seguras da prestação de cuidados de saúde, podem ser menos do que ideais, acrescentando stressores emocionais, físicos e morais aos membros da equipa que já estão sob condições de stress elevado. A ansiedade associada à prestação de cuidados numa situação incerta também pode reduzir o desempenho do profissional. Por causa do COVID-19, os profissionais de saúde e restante pessoal estão actualmente a trabalhar em ambientes onde está a ocorrer uma perda de vidas sem precedentes; essa grave situação cria uma tensão psicológica individual e colectiva difícil e um sofrimento moral. Além disso, os profissionais podem encontrar-se a trabalhar em situações clínicas que consideram desconfortáveis, o que diminui a confiança na sua produção, a confiança na equipa e no desempenho individual. Os esforços para aumentar a segurança psicológica dos profissionais de saúde, especialmente durante as pandemias, devem idealmente concentrar-se em:

estabelecer uma cultura de segurança: incentivar todos os indivíduos de uma equipa de cuidados a expressar quaisquer preocupações que identifiquem como potencias ameaças à segurança da equipa e/ou doentes é fundamental para aumentar o bem-estar psicológico dos membros da equipa. Isso é mais difícil de conseguir durante os períodos de rápida implantação da equipa em ambientes desconhecidos, porque eles não estão familiarizados com as normas culturais, processos e hierarquia. Além disso, com o estabelecimento de novas unidades ou hospitais inteiros para aumentar a capacidade de resposta à pandemia do COVID-19, as demandas cognitivas, a fadiga e o stress na prestação de cuidados podem tornar este um momento particularmente desafiador para estabelecer ou melhorar a cultura de segurança.

experiência das indústrias de alto risco: as experiências obtidas noutras indústrias de alto risco, como a aviação, prospecção de petróleo em alto mar e energia nuclear nas quais ocorreram desastres em grande escala, enfatizam o valor do pessoal que expõe as condições em tempo real, evitando assim falhas catastróficas. Portanto, embora mais difícil de alcançar durante uma pandemia, promover uma cultura na qual os membros da equipa de cuidados sejam incentivados a expressar suas preocupações é um objectivo que vale a pena perseguir.

suporte organizacional à segurança do trabalhador: a escassez de protecções básicas, como equipamento de protecção individual (EPI), reduz a confiança dos trabalhadores na capacidade de uma organização em mantê-los seguros ao prestar assistência em situações perigosas e afecta adversamente o seu bem-estar físico e psicológico. Portanto, as organizações de saúde devem fazer todo o possível para proporcionar um ambiente de trabalho o mais seguro possível, o que inclui o fornecimento de EPI adequados. A falta de EPI adequado pode contribuir para reduzir a confiança do profissional e da comunidade nas organizações de saúde; para promover a segurança psicológica, as organizações de saúde devem seguir as orientações emitidas pelas entidades nacionais e manter os seus profissionais informados sobre os stocks locais actuais de EPI e os esforços da organização para obter mais. Uma revisão sistemática recente e meta-análise da literatura relacionada com equipas de saúde que trabalham com doentes durante surtos infecciosos relataram que vários factores clínicos, de treino, experiência, psicológicos e relacionados com o serviço (consistentes com os factores mencionados acima) podem aumentar o risco de stress psicológico. Pausas adequadas, maior experiência, feedback positivo, confiança nas medidas de controle de infecção e equipamento de protecção adequado demonstraram diminuir o risco de stress psicológico.

 

Estratégias para Melhorar a Segurança através da Engenharia dos Factores Humanos

A engenharia de factores humanos (HFE) pode ajudar a abordar respostas e mitigar os riscos decorrentes dos desafios discutidos acima. As abordagens de segurança que empregam HFE são cada vez mais aplicadas nos ambientes de saúde para reduzir os possíveis impactos negativos dos comportamentos individuais nos cuidados diários, seja de rotina ou durante uma crise. A HFE pode ajudar a realinhar os fluxos de trabalho para aumentar a confiança do trabalhador sob pressão, projectando processos para o proteger contra as falhas de sistemas decorrentes de erro humano. Conforme vai ser descrito abaixo, as estratégias para reduzir os erros humanos e que exigem recursos relativamente mínimos para serem empregues durante a pandemia do COVID-19 incluem, sinalização proeminente, revisão do fluxo de trabalho para identificar pontos de falha, listas de verificação (checklist) para colocar e retirar o EPI e simulações para testar processos.

sinalização: para reduzir a ansiedade, a ineficiência e as oportunidades de erro, deve ser usada uma sinalização de destaque para as localizações dos equipamentos; lembretes sobre higiene das mãos, uso de equipamentos de protecção individual e higiene e limpeza ambiental para evitar a transmissão de microrganismos; identificação das áreas restritas para tratamento do doente, espaços exclusivos para profissionais e saídas. Por exemplo, quando os espaços precisam de ser reconfigurados e usados ​​de maneiras diferentes para mitigar o risco de exposição e infecção, a sinalética pode ajudar a tranquilizar profissionais e doentes, minimizar as explicações necessárias e alinhar as acções. Os factores humanos e considerações sobre o fluxo de trabalho devem ser aplicados ao determinar o tamanho, a cor e fonte, a terminologia e o local da colocação dos sinais.

revisão e redesenho do fluxo de trabalho: os pontos de falha potenciais devem ser identificados quando estão a ser desenvolvidos fluxos de trabalho para novos processos, a fim de evitar proativamente oportunidades de erros que, de outra forma, poderiam ocorrer enquanto os que seguem os processos estão sob pressão adicional, seja durante uma pandemia ou durante a prática normal. Por exemplo, a metodologia de “avaliação do risco” e outras ferramentas de análise de tarefas podem ser implantadas rapidamente para avaliar a prontidão de uma área para uso seguro. Os resultados da análise podem ser usados ​​para desenvolver processos padronizados para triagem e encaminhamento de doentes, testes de diagnóstico, admissões, tratamentos, coordenação de cuidados e envolvimento do doente e da família.

listas de verificação(Checklist): além de serem úteis para a nova equipa (como mencionado acima), as listas de verificação também podem ser extremamente úteis para garantir que as etapas de segurança sejam executadas adequadamente, mesmo em situações particularmente stressantes, como durante a pandemia do COVID-19. Muitas vezes, as listas de verificação são fáceis de usar no contexto do atendimento, pois podem ser alinhadas e sincronizadas com os fluxos de trabalho e outros processos existentes de atendimento.

simulações: há muito reconhecidas como uma ferramenta de aprendizagem e aprimoramento em indústrias de alto risco, as simulações podem preparar as equipas e as organizações com experiências que podem ser usadas para optimizar a sua preparação para situações de crise, obtidas num ambiente de baixo risco. O conhecimento colectivo criado por meio do uso de simulações pode contribuir para novos métodos de treino, desenvolvimento de protocolos, actividades de colocação e remoção de equipamentos de protecção individual, identificação de problemas na utilização das instalações e fluxos de trabalho.

Este artigo descreve os factores de stress relevantes para a resposta do sector de saúde à pandemia de COVID-19 na perspectiva dos profissionais de saúde. Ele chama a atenção para a pressão significativa a nível pessoal com que a pandemia está a afectar os indivíduos que trabalham no sistema de saúde. As estratégias destacadas neste documento baseiam-se em conceitos fundamentais de segurança do doente, em vez de questões mais amplas (e também importantes) relacionadas com o COVID-19, como a melhoria da qualidade, epidemiologia, cuidados clínicos, e protecção do pessoal. Os profissionais de saúde e as organizações de saúde já estavam a aplicar essas estratégias antes do início da pandemia para reduzir as ameaças aos cuidados seguros, mas a sua implementação é mais importante do que nunca para manter os doentes e profissionais de saúde seguros na era do COVID-19.

Caso queiras saber mais, sugiro que faças o curso - A influência dos Factores Humanos na segurança do doente 

Fernando Barroso

UM DIA SERÁS TU O DOENTE!
#segurancadodoente

Este é um artigo adaptado de Lorri Zipperer, membro da AHRQ PSNet team