segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Avaliação do Risco em Psiquiatria - É assim tão diferente?

O processo de “Avaliação do Risco” tem os mesmos objectivos em qualquer indústria ou actividade humana.
Quer a avaliação seja feita num porto de mercadorias, numa oficina automóvel ou numa unidade de saúde, aquilo que procuramos fazer é sempre o mesmo. Prevenir incidentes futuros.

6 Pontos fundamentais de uma avaliação do risco:
  1. Identificar as situações perigosas;
  2. Identificar os potenciais riscos associados e quem está potencialmente exposto ao risco;
  3. Identificar a probabilidade de ocorrência e a gravidade, e com isso obter um nível de risco que nos permita priorizar a nossa acção;
  4. Definir quais vão ser a medidas preventivas ou correctivas a desenvolver; 
  5. Identificar quem é responsável pela concretização dessas medidas;
  6. Estabelecer uma data para reavaliação.
 Assim, em Psiquiatria, o que temos de fazer não é muito diferente, apenas o contexto muda e principalmente, as características do Doente mudam.

Aproveito agora uma resposta que enviei recentemente a um Colega que me colocava a seguinte questãoSou enfermeiro e trabalho numa unidade de agudos de psiquiatria. Sendo uma tipologia de unidade onde se tem investido pouco na avaliação do risco, gostaria que se tiver exemplos ou pesquisas ou links sobre como orientar  o levantamento dos riscos e como supervisionar o risco nestas unidades.

A minha experiência ensinou-me que a avaliação do risco em psiquiatria (a metodologia que devemos utilizar) não é diferente do que se faz noutros locais ou especialidades. A grande diferença são, como é obvio, os doentes.
Podemos pois deixar já esclarecido que a ferramenta "avaliação do risco" é a mesma em qualquer lugar.

Resta então a sua aplicação ao contexto específico das unidades de psiquiatria e saúde mental.
Quando dou formação sobre este tema um dos principais pontos que saliento é que devemos sempre efectuar a nossa avaliação tendo sempre por base os "utilizadores mais vulneráveis" que vão utilizar esse mesmo espaço (Seja o serviço na totalidade, um quarto, a zona de entrada, as camas, as janelas, etc.).

Mas se há coisa que não devemos fazer é “subvalorizar” a capacidade de um doente dito “psiquiátrico”. A a minha experiencia na chefia de um Departamento de Psiquiatria ensinou-me que estes doentes, muitas vezes rotulados de “tontinhos”, são na verdade muito inteligentes, capazes de nos surpreender com a sua astucia e também carinho.

Outro aspecto fundamental é fazer a avaliação do risco com um "novo olhar". Um olhar diferente do que utilizamos no dia-a-dia (em que tudo nos parece bem), um olhar que desafie a normalidade e identifique as situações perigosas e os respectivos riscos associados.

Deixo alguns Exemplos (que observei em alguns Serviços):

Perigo: Porta de acesso com sistema de abertura (numérico) visível pelos doentes.
Risco(s): Doente pode ver profissional a marcar o número e memorizar a senha de acesso.
Doente (na posse da informação) sai do serviço assim k tem oportunidade.
Possível solução:
1. Formação aos profissionais para que marquem o nº de forma "protegida" (uma mão tapa o numerador e a outra marca o número. Esta é uma solução possível mas com maior possibilidade de não ser cumprida.
2. Adaptar ao numerador uma barreira física que proteja a observação directa do painel. Solução indicada pois não depende da vontade/atenção do profissional.

Perigo: Existência de suportes no tecto (para os cortinados existentes entre as camas).
Risco(s): Utilização dos suportes para tentativas de suicídio do doente.
Utilização dos cortinados suspensos para o mesmo fim.
Possíveis soluções:
1. A fixação dos suportes ao tecto não deve permitir qualquer folga (que permita passar entre o suporte e o tecto qualquer objecto).
2. O suporte/cortinado deve possuir um sistema de fixação simples, que permita que qualquer força exercida resulte na queda do cortinado. (Muito Importante – Esta solução deve ser testada. Já vi suportes ditos “quebráveis” que suportaram o peso de um doente…)

Perigo: Inexistência de procedimentos específicos: "Como lidar com situações de agressividade"; "Vigilância do doente sedado"; etc...
Risco(s): Incapacidade de lidar com situações complexas para as quais existem evidências de desempenho apropriado; Diferenças notórias na prestação de cuidados; Desempenho inadequado e/ou cuidados inadequados.
Possível solução:
Identificação dos procedimentos em falta (priorizar); Estabelecer calendário de desenvolvimento dos procedimentos; Implementar os procedimentos em falta.

A avaliação do risco deve incluir todos os aspectos da prestação de cuidados (De enfermagem e não só) que apresentem potencial de risco para o doente ou profissionais, ou que não seja consistente na forma de actuação dos profissionais.

Outra forma ou fonte importante para "descobrir" situações de risco, é analisar os incidentes ocorridos no serviço (exista ou não um sistema formal de registo).
Podemos recorrer aos registos internos, informação clinica nos processos clínicos (deve ser solicitada autorização para o fazer), informação recolhida durante as passagens de turno, ou mesmo pedir aos colegas, médicos e assistentes operacionais que forneçam essa informação.

Resumindo, o desafio é:
1. Documentar exaustivamente a "avaliação de risco";
2. Determinar o nível de risco e consequentemente a prioridade dos mesmos;
3. Definir quais as medidas correctivas a adoptar;
4. Identificar quem é responsável pela concretização da acção;
5. Marca a data da reavaliação (com base no nível de risco).

Avaliar o Risco não é difícil, mas tem regras que devem ser respeitadas.

Deixo ainda este link para um documento que estou a preparar, para o caso de estarem interessados http://risco-clinico.blogspot.pt/2015/06/manual-pratico-de-avaliacao-do-risco.html


E não se esqueçam, a avaliação do risco está também nos nossos olhos e na nossa capacidade de questionar a forma como fazemos as coisas, colocando a Segurança do Doente como uma prioridade.

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2 comentários:

  1. A avaliação de risco é de fato semelhante independentemente do local onde esta ocorre. Todos os doentes têm as suas particularidades. Nos doentes pediátricos há que pensar que os botões dos bibes e pijamas são um factor de risco (de asfixia) para as crianças até aos cinco anos, nos doentes com alteração da sensibilidade (como por exemplo os diabéticos) é necessário ser mais rigoroso com o controlo da temperatura da água do banho, nos doentes psiquiátricos há que pensar (por exemplo) que não é boa ideia ter sacos de roupa suja em plástico acessíveis aos doentes - já que estes podem constituir um risco de asfixia.
    Todos e quaisquer ambientes têm risco específicos para os seus utilizadores. Se os utilizadores são doentes mais vulneráveis, o espaço tem que ser pensado de acordo com essas vulnerabilidades. O objectivo deve ser o de conseguir um ambiente confortável e promotor do bem estar, sem que tal acresça risco.
    As equipas de saúde são as mais bem posicionadas para identificar e detectar os factores de risco e encontrar as soluções para os reduzir. Pode ser trocar botões por molas ou velcro, ter sacos de roupa suja em tecido, ou limitar a temperatura da água. Boas práticas em qualquer local, nuns são mais prioritárias que noutros. O importante é um olhar crítico, a capacidade de olhar e pensar "o que é que aqui pode correr mal?", O que pode acontecer? Qual a probabilidade? O que podemos fazer para reduzir o risco? Quanto custa? O investimento é justificado?" e depois reavaliar "Valeu a pena? O risco foi reduzido? Surgiu um novo risco? É necessário fazer mais alguma coisa?"


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